Família Coelho da Silva,
(Biografia
e autobiografia de gente sem importância)
Minha
mãe
E
Por
isso, posso registrar as coisas de que me recordo, alguns depoimentos,
que ela e meus irmãos me fizeram, o que dará uma amostra do que foram
seus 92 anos e seis meses
de vida.
Chamava-se
Maria Conceição Jesus de Figueiredo, antes do casamento, e teve vários
sobrenomes, nas certidões de nascimento de alguns filhos - ela teve 10
ao todo - consta Maria Conceição Figueiredo Coelho da Silva, em
outras, Maria Conceição Coelho da Silva; na minha certidão de
nascimento, constou apenas Maria Conceição, sem sobrenome e ela sempre
reclamava disso.
Os
cartorários, na época, eram negligentes e incompetentes.
De seus dez filhos, uma, Maria José, morreu
aos três meses de idade e outro, Gervásio, nasceu morto.
Ela
nasceu, na passagem do ano de 1.902 para 1.903, no dia em que seus pais,
meus avós, chegaram a Botucatu, vindo de Araraquara, de carroça. Mas
foi registrada somente alguns meses depois. Como seria uma viagem de Araraquara, de carroça em 1.902?
Com a mudança,
uma mulher grávida e mais 4 crianças pequenas, que eram seus irmãos,
meus tios: João, Gervásio, Francisco e José. Quantos dias teriam demorado? Qual o caminho que seguiram? Tenho muita vontade de fazer pesquisa sobre isso, examinando os mapas da época. Provavelmente, ficará somente na vontade, porque, no momento, não disponho de tempo para isso.
Assim, cabe a você, leitor, a tarefa de
imaginar.
Ela
ficou órfã de mãe ao nascer, pois, minha avó faleceu durante o
parto. Portanto, pouco sabia sobre a mãe, apenas o que seu pai e
parentes lhe contavam. Era a mais nova dos cinco irmãos.
Meus tios José, Francisco, João Filomeno e Joaquim Gervásio foram adotados pelo português Antonio
Costa e sua mulher, Sinhá Júlia.
Minha
mãe, até os três anos, permaneceu morando na casa, onde nasceu,
dos compadres de meu avó, Juvenal Pereira e Luzia Pereira. Aos três anos de idade, numa das visitas rotineiras, que seu pai lhe fazia, ele disse aos compadres que “levaria a menina para dar um passeio”. Na realidade, ele a levou embora e a entregou para o português Antônio Costa, pois com ele já viviam os outros meus tios, irmãos de minha mãe. Antônio Costa era casado com uma negra, filha de escravos, que, se não me engano, livrou-se do cativeiro, em razão da famosa Lei do Ventre Livre.
Chamava-se Júlia (Sinhá Júlia, como minha mãe se
referia a ela) e tinha mais filhos, mas que eu sei e me lembro é de
“dona” Maria, que era filha legítima e tinha a mesma idade de minha
mãe. Minha mãe tinha muita admiração e respeito pelo seu padrasto; citava-o sempre como um homem de bom senso, parece até que os seus conceitos morais e observações filosóficas sobre as pessoas e a vida eram sempre atuais e norteavam a sua conduta.
“Como dizia seu Não acontecia o mesmo com a madrasta, de quem ela falava pouco, mas de vez em quando, citava a sua condição de preterida, ao longo da infância e adolescência. A madrasta, tendo mais filhos e filhas, os protegia em detrimento dela, seja na distribuição de tarefas de casa, sejam na comida e sobremesa melhores.
Esse drama só percebe quem, de certa
forma, foi criado na “casa de outros” e não de seus próprios pais.
De qualquer jeito, sempre se mostrou agradecida aos seus pais de criação, por tê-la adotado num momento, em que não tinha para onde ir. Meu pai e minha irmã mais velha, Deolinda, eram mais revoltados, pela hipótese de minha mãe ter sido judiada pela madrasta.
Minha irmã Deolinda, por exemplo,
citava o fato de que minha mãe era obrigada a passar roupa de toda a família,
já aos dez anos de idade e era tão pequena ainda, que precisava subir
num banquinho para ter a altura da mesa de passar. Deolinda conta até um episódio, constrangedor, no seu relacionamento com Sinhá Júlia, quando tinha cerca de cinco anos de idade.
Toda vez, que ela
juntamente com minha mãe ou outra pessoa visitava Sinhá Júlia, abraçava-a
e beijava-a, chamando-a de avó. Vendo isto uma amiga da família, inadvertidamente, disse a minha irmã Deolinda que não deveria chamar “sinhá” Júlia de avó, porque “ela tinha judiado muito de sua mãe”. E não deu outra, numa próxima visita, Deolinda, quando “Sinhá” Júlia veio abraçá-la, negou-se a aceitar o abraço e disse:
“Não vou abraçar a senhora, porque a
senhora judiou muito de minha mãe”. Minha mãe, casou-se aos vinte anos de idade com meu pai, João Coelho da Silva, que, na ocasião, tinha 24 anos. Uma das coisas, que meu pai dizia num sentido protecionista, é que apressou seu casamento com minha mãe, porque “ela era muito judiada”. Aí, nós, os seus filhos, maldosamente, retrucávamos, dizendo que, após casada, tendo oito filhos e vivendo com a sogra, continuou sendo judiada e na “casa dos outros...”
Mas minha mãe administrou bem sua vida e criou seus
filhos, sempre com bom senso e foi, dentro de suas aspirações, feliz
com a vida, que teve. Ela faleceu em 28 de junho de 1.994, portanto, com 92 anos, logo após o término do jogo do Brasil com a Suécia, pela Copa do Mundo de 94.
Eu me lembro
bem porque,
ao
terminar o jogo, deitou-se corretamente na cama, para dormir; de
repente, teve uma tosse engasgada, sua cabeça pendeu para trás e
morreu. Na velhice, teve qualidade de vida aproveitável até os seus últimos dias. Somente depois dos noventa anos, teve algum problema de falta de memória e reclamava não haver remédio para isso.
Teve a morte que eu gostaria de vir a ter e que desejo a meus
amigos, sem UTI, sem sofrimento e dor duradoura e constante.
Na
semana anterior, uma onda de frio atingira S. Paulo e ela sentiu muito
este frio, que chegara de repente. Para nós, minhas irmãs e eu, ela já
estava se recuperando. Havia, porém, uma preocupação da família, com o mês de junho.
É que ela
sempre perguntava, se estava longe o mês de junho. Ninguém sabia porque, nem tinha idéia sobre a razão dessa pergunta constante, que fazia nos últimos seis meses.
Isto ficou claro para todos que ela
tinha tido uma premonição de sua morte.
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Minha mãe: Maria Conceição Figueiredo Coelho da Silva Foto (1.942): com 40 anos e 10 filhos. Pai: Adelino Figueiredo Mãe: Rosa de Jesus Figueiredo Marido: Foto (1.942): João Coelho da Silva (2a. geração) Irmãos: Francisco, José, Gervásio, João Felomeno. Filhos: Aparecida, Adelino, Anita, João, Deolinda, Rosa, Conceição e Egydio.
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