Família Coelho da Silva, oriunda da Ilha da Madeira

Egydio Coelho da Silva

 

Minha avó paterna

 

Minha avó paterna, Ana Rosa Gonçalves Alho, ficou viúva com cerca de 30 anos de idade e sua filha mais nova, Matilde, tinha 3 anos e o mais velho, acho que Manoel, tinha 11 ou doze anos.
Sozinha teve que sustentar todos os filhos e sem rendimentos, pois naquele tempo não havia nenhum tipo de pensão, que a viúva recebesse de instituto de previdência.
Aliás, nem instituto de previdência existia na época. Não sei quanto, mas me parece que ela e seu falecido marido, João Coelho da Silva, receberam alguns bens e valores de herança.

De qualque forma a luta era dura para garantir o sustento de uma família numerosa.
Suponho também que tenha tido algum tipo de ajuda de parente ou amigo. Mas para tudo existe uma explicação.

Em primeiro lugar, ela era muito trabalhadeira e deveria ter boa saúde.

A disposição para o trabalho e fibra são, de certa forma, facilmente encontradas nas mães, quando sentem o perigo em que se encontra a sobrevivência de seus filhos. 

A pequena chácara de meio alqueire de terra seria cultivada por ela com muito trabalho.

-"A avó era boa enxada", disse-me recentemente, sem trocadilho e com muita seriedade, meu primo Domingos (filho mais velho de meu tio Manoel).

Esta frase saiu-lhe espontaneamente, quando lhe perguntei se se lembrava da avó.

Dela disse-me só isso, nada mais disse nem lhe perguntei, mesmo porque o ambiente, em que nos encontrávamos não era propício. Foi no velório de minha sogra em Botucatu.

Além dessa disposição de luta e capacidade de trabalho, houve fatores que facilitaram a vencer na luta para educar os filhos e deixá-los em situação segura.

E o entendimento mais lógico e, provavelmente verdadeiro, é que o Brasil vivia no final do Ciclo do Café. Como se sabe, o café era praticamente o único produto brasileiro de exportação.

Na época, provavelmente entre 1.910 e 1.915, a chácara, de meio alqueire de terra, já estava plantada com café. Era pouca terra e a produção, conseqüentemente também era pequena, portanto, pareceria difícil “uma micro-agricultora” exportar café, mas havia uma fórmula, que funcionava muito bem.

As médias empresas de beneficiar café, compravam café aos pequenos produtores, beneficiavam-no e o revendiam no mercado interno.

E também exportavam café em grão.

Ela, minha avó, vendia a produção a uma dessas máquinas.

Quando menino, em tom de brincadeira, cheguei a ouvir de meus primos, que um desses donos de máquina de beneficiar café - patrício português - "paquerava" minha avó.

Por isso, pagava bom preço pelo seu café, “a fim de ajudar a viúva, que tem  oito filhos para criar”.

Pelo que analiso agora e pelo que me recordo, ela tirava tudo o que podia para a sobrevivência da família da chácara, como feijão, milho, frutas. A chácara era quase inteira plantada de café. Nas “ruas” dos cafeeiros - o espaço que fica entre uma fileira de pé de café e outra - eram plantados milho, feijão, etc. Lembro-me de menino da existência de um mandiocal - separado da plantação de café - onde eu costumava brincar em baixo e, para a imaginação infantil, era um esconderijo perfeito, na minha luta de mocinho contra os bandidos.

Frutas havia bastante, como manga rosa, que era plantada na divisa da chácara, com os vizinhos, para não fazer sombra no meio da chácara e atrapalhar a plantação de café. E havia muitas manqueiras e os vizinhos levavam vantagem também, porque as frutas dos galhos, que ficavam de seu lado, davam aos vizinhos o direito de colhê-las. Na pior das hipóteses, maduras caiam e eram recolhidas por eles. Lembro-me de cáqui, mexerica, abacate e laranja, estas não ficavam na divisa da chácara. E havia, evidentemente, a horta de verduras, como couve, alface, tomate, etc.

Criavam-se porcos; para mim, numa visão de criança, eram bastantes, mas na realidade não poderiam ser muitos, pois se destinavam apenas ao consumo familiar. A gordura - eu me lembro bem - era guardada em tambor e usada para cozinha. Aliás, toda a produção da chácara era para a sobrevivência da família, com exceção do café, que era vendido. Do café, que se consumia, lembro-me apenas de vê-lo moído - depois de beneficiado e torrado por terceiros. Não sei se era de produção própria ou já era comprado beneficiado e torrado. Só sei que era moído em casa.

Como se vê, havia uma “organização” de produção para consumo e para venda do que era produzido nesta pequena chácara de meio alqueire de terra. E, aparentemente, quase que milagrosa, pois, garantiu a sobrevivência da família, os filhos freqüentaram a escola, todos aprenderam a ler e escrever e completaram o curso primário e ainda fez alguma poupança. As economias, que minha avó fazia do dinheiro recebido da venda do café em grão, eram aplicadas na construção de casas dentro da própria chácara. A meta que ela tinha em mente era a de construir uma casa para cada filho. Como ela tinha oito filhos, o

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objetivo a atingir eram oito casas, o que foi conseguido. A medida em que ia construindo casas, as alugava o que aumentava a renda familiar.

Os filhos, quando crianças, provavelmente já a partir dos oito anos de idade, trabalhavam na chácara, fazendo serviços compatíveis com  a idade. Com certeza, como aconteceu comigo, que desde os oito anos já tinha alguma obrigação a cumprir na chácara. Muito embora minha avó e meus pais sempre colocavam os filhos e filhas na escola. E todos concluíram o curso primário.

Isto fortalecia a economia familiar, pois os portugueses, vindos para o Brasil, sempre foram muito econômicos, seja por estarem em terras estranhas, onde a insegurança é muito maior, seja por uma conscientização de que o futuro da família depende realmente de algum “pé de meia” ou patrimônio.

Há uma expressão que a gente usa até hoje, quando se refere ao espírito econômico dos portugueses: “o dinheiro quando entra no seu bolso, não sai nem com ‘habeas corpus’ ”.

E o que tornava viável a existência de uma micro empresa agrícola familiar era a divisão do trabalho entre todos, inclusive os menores.

O ensino, na prática diária de que todos têm obrigação de trabalhar, desde muito cedo, parece-me hoje muito positivo. A freqüência à escola também era coisa sagrada. Meu pai e todos os seus irmãos completaram o curso primário. O que era muito na época.

Felizmente, naquele tempo, não havia os políticos, que se dizem defensores de "direitos humanos", que entendem que ensinar as pessoas a trabalharem desde cedo constitui violentação dos direitos das crianças.

Se existissem, com certeza, a nossa família teria sido desagregada e o ciclo de moradores e meninos de rua, que vivemos hoje, teria começado há 80 anos atrás.

Em fim todos trabalhavam. E como trabalhavam.

Contava meu pai que, em noite de lua cheia, o trabalho, na lida com a plantação, se estendia até 10 horas da noite. Somente muito trabalho justificaria a sobrevivência da família e até conseguir fazer alguma economia.

Minha avó Ana Rosa Gonçalves Coelho da Silva faleceu, quando eu tinha cerca de dez anos de idade, por volta de 1.944.

Tinha problema com a pressão alta. Já havia sofrido um ligeiro derrame cerebral, que lhe dificultava a movimentação de um dos braços e a fala. Na minha presença, estava sempre alegre e brincava muito comigo. Eu, moleque, evidentemente não lhe dava muita atenção. Mas tudo que precisava, corria pedir a

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avó e a resposta era quase sempre afirmativa.

De sua morte, lembro-me apenas de minha mãe me chamar para despedir da avó, que tinha morrido. A lembrança é muito vaga de a ver na cama imóvel. Só isso, nada mais do que isso. Como diriam os antigos: "Cumpriu sua missão; agora descansou".

 

 

Não tenho informações se minha avó era bonita, quando jovem; a foto que tenho dela é uma coletiva, aparecem quase todos os parentes, inclusive eu que deveria ter mais ou menos uns oito anos de idade, portanto, seria de 1.942.

Ela deveria estar com mais de 60 anos, na época da foto. Portanto, já era velha. Quando jovem, e enviuvou jovem, provavelmente com cerca de 30 ou 31 anos, deveria ser bonita. Suas filhas eram bonitas. De rosto, eram bonitas.

É certo que as conheci já donas de casa, todas mais para gordas do que para magras, muito embora o conceito de beleza na época era mais favorável às gordas.

Além disso, cheias de filhos, portanto, não havia como avaliar a sua beleza.

Porém,  a Matilde, a mais nova de todos os irmãos, era bonita.

Dela me lembro bem e também dos comentários de meus irmãos e primos, que eram sempre elogiosos para ela: “A tia Matilde é muito bonita”. E a sua beleza, evidentemente, se salientava das irmãs.
Morava em São Paulo, portanto, não era “caipira” como as outras, que eram do interior. Além disso, ela não tinha filhos porque seu marido, Benedito, provavelmente era infértil.

Isto evidentemente a deixava com mais tempo para se cuidar de si mesma, enquanto as suas outras irmãs tinham no mínimo quatro filhos cada uma.

Benedito era maquinista de trem e morreu num choque de trens.
Quando ficou viúva casou-se com um português, açougueiro, e teve vários filhos.
 Mas, quanto à beleza de minha avó é difícil afirmar que, quando já viúva, fosse bonita, com tantos problemas e preocupações. Enfim, como uma mulher pode ser atrativa, trabalhando diariamente 18 hora por dia, para cuidar e dar de comer a tantos filhos pequenos?

Se minha avó era bonita ou feia isso não teve a menor importância, a não ser quando conquistou meu avó, na viagem de Portugal para o Brasil.

O que teve muita importância foi a sua capacidade de trabalho e, com certeza, alguma organização na

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administração chácara e da economia da família.

Minha avó Ana Rosa Gonçalves Alho faleceu, quando eu tinha cerca de dez anos de idade, por volta de 1.944, dois anos depois da foto, com quase todos os seus descendentes.

Tinha problema com a pressão alta. Já havia sofrido um ligeiro derrame cerebral, que lhe dificultava a movimentação de um dos braços e a fala. Na minha presença, estava sempre alegre e brincava muito comigo.

Eu, moleque, evidentemente não lhe dava muita atenção. Mas tudo que precisava, corria pedir a

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avó e a resposta era quase sempre afirmativa.

De sua morte, lembro-me apenas de minha mãe me chamar para despedir da avó, que tinha morrido. A lembrança é muito vaga de a ver na cama imóvel. Só isso, nada mais do que isso. Como diriam os antigos: "Cumpriu sua missão; agora descansou".

 

 Veja a ascendência de minha avó

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Minha avó paterna

Ana Rosa Gonçalves Alho (1a. geração)

Foto em 1.942 com ais de 60 anos.

Domingos (foto 1.942): "A avó era boa de enxada"

Marido;

João Coelho da Silva (1a. geração)

Mãe e pai: nomes não pesquisados.

Irmãos:

 Manoel Gonçalves (há outros não pesquisado)

Filhos:

Marta, Manoel, João, Antônio, José, Maria, Ana e Matilde.

A filha caçula Matilde era bonita (foto 1.942)

 

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