Biografia
e autobiografia de gente sem importância Egydio
Coelho da Silva
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Data provável: 1.942
Na Frente de todos: o cão mestiço policial com pastor alemão: nome: Fiel
Na primeira fila sentadas ou em pé, da esquerda para direita: Aparecida Coelho da Silva, Rosa Coelho da Silva, Maria Conceição Figueiredo Coelho da Silva, (na frente) Neide Norberto, em pé atrás da Neide, Conceição Coelho da Silva, Maria Norberto (no colo: Isaura Norberto), Manoel Coelho da Silva Filho
Biografia
e autobiografia de gente sem importância Egydio
Coelho da Silva |
Referências
do livro autobiografia de gente sem importância... 1.979-
página 34 |
Biografia
e autobiografia de gente sem importância Egydio
Coelho da Silva Capítulo I Narcisismo
ou valor histórico Resolvi escrever este livro, que conta a história da minha família e, consequentemente, estará inclusa a minha autobiografia. Algumas pessoas podem entender que a motivação seja narcisismo e até vaidade. E eles talvez tenham um pouco de razão; porque nada melhor do que uma autobiografia para falar bem do próprio autor. Por isso há quem diga que as autobiografias só servem para documentar a história de um período de tempo e dar uma visão da saga do autobiografado, em determinada atividade e/ou região. E,
com certeza, quando o autobiografado é importante, para facilitar a
pesquisa dos biógrafos, que colhem detalhes, que, muitas vezes, são
impossíveis de se obter em pesquisa. Infelizmente, a tendência do autobiografado é destacar somente as coisas, que lhe dão valor moral e, consequentemente, “esquece” as atitudes, que podem denegrir sua imagem ao longo de sua vida. Procurarei
evitar isso, mas com certeza não conseguirei, como nenhum
autobiografado conseguiu. Tenho que agradecer a minha mulher, Nair, e ao meu filho, Paulo Egídio, as sugestões indiretas e os comentários sobre este livro, quando tive a coragem de contar a eles a minha intenção. A
Nair não resistiu e afirmou: -Tanta
gente importante, que deveria fazer autobiografia, não faz. E você vai
fazer, por que? Por isso, devo agradecê-la porque ela me forneceu o título do livro, "Biografia e autobiografia de gente sem importância". E
meu filho, Paulo, achou boa a idéia e comentou: -Eu
gostaria de ter tanto tempo como você, papai, que pode até escrever a
própria autobiografia. Achei inteligente a sua observação e resolvi, por complexo de que estaria perdendo tempo com um livro - que provavelmente não será lido nem por meus familiares - a dedicar apenas 15 minutos por dia, a escrevê-lo. Durante mais de uma ano, adotei esse método de escrever diariamente durante os primeiros quinze minutos de trabalho do dia. Mas, infelizmente, nos últimos tempos, nem quinze minutos me foi possível encontrar para dar prosseguimento a este livro. Por
isso agora, decidi que só vou escrevê-lo, quando, em fins de semana ou
em feriados prolongados, estiver no litoral ou outro lugar em passeio. Bem, acho que está na hora de eu deixar de contar a você, leitor, minhas intimidades e parar de praticar a metalinguagem sobre autobiografias e passar a escrever a história de minha família.
10/05/97 Capítulo II
Síntese Histórias,
eu aprendi que a gente começa do começo e termina no fim. É Também não terei preocupação com a síntese, ao contrário, serei prolixo, porque isto não é um livro, que eu tencione editar e torná-lo vendável. Mesmo que um dia isso venha a ser viável, eu não gostaria de vê-lo publicado, enquanto as pessoas citadas nele, estejam vivas. Ele
contém muitas intimidades e eu não gostaria de magoar ninguém. Estes perfis biográficos e autobiografia se destinam, na prática, apenas a meus descendentes, diretos e indiretos, que, eu suponho, gostarão de saber sobre os seus antepassados, como eu leria, com muito prazer, qualquer biografia ou autobiografia, que algum ancestral meu tivesse escrito. E
também porque entendo que tem valor histórico. Terá interesse em lê-lo também quem desejar estudar a história regional, no período de tempo de minha vida, das cidades de Botucatu, Assis, Ourinhos, São Paulo (Bixiga) e Monte Verde-MG. Poderá também ter interesse quem desejar estudar o jornalismo regional, onde venho atuando há mais de 40 anos. A quem queira estudar as dificuldades do futebol varziano em Botucatu, também este livro poderá servir de fonte de pesquisa. Fora
essas pessoas, somente um ou outro "masoquista" poderá se
interessar por sua leitura. Capítulo III Meu
avô materno Meu
avô, pai de minha mãe, era português e se chamava Adelino Figueiredo;
sei apenas que chegou a Botucatu, vindo de Araraquara, em 1.902. Como
chegara à Araraquara e de que região de Portugal viera, não sei e
nenhum de meus irmãos sabe. Talvez quem saiba sejam meus primos, José
e Antônio, filhos de meu tio José Figueiredo, irmão de minha mãe. Sobre
a vida de meus avós, pais de minha mãe, em Araraquara, pouco sei. Meu
avó, materno, e minha avó materna, Rosa de Jesus Figueiredo, estão
enterrados em Botucatu, no jazigo de meu tio José Figueiredo. No
final do Século XIX (1.890), ele tinha um pequeno comércio de secos & molhados em Araraquara,
expressão usada na época para designar venda a varejo de bebidas,
cereais, etc. O
motivo de sua “fuga” de Araraquara, conforme me contou minha mãe,
foi o desentendimento com um seu irmão, que trabalhava para ele
e o teria roubado. O desentendimento foi forte, pois, meu avó teria
pego uma faca e posto o irmão a correr. Daí, ele ter-se aborrecido e
decidido mudar-se para Botucatu. 23/05/97
PÁGINA 04 M Ele
viveu até cerca de 50 anos de idade e faleceu no início da década de
1.930. No
final da vida, com algum problema mental, em virtude da bebida. Nos delírios
alcoólicos, reclamava sempre: "roubaram o meu
dinheiro", provavelmente sobre o desentendimento com seu irmão,
quando tinha um pequeno comércio em Araraquara. O alcoolismo o acompanhou a vida inteira. E minha mãe tinha histórias até engraçadas sobre o seu vício de bebida. Ela contava, por exemplo, que
em Botucatu, meu avó trabalhava como empregado braçal da Estrada de
Ferro Sorocabana. Ele não podia, evidentemente, beber no serviço, porque seu chefe, com certeza, não permitiria. Daí, então, segundo dizia a seus colegas, preferia beber café o dia inteiro, para não se lembrar da bebida. Acontece, porém, que, quando chegava ao fim do expediente, estava completamente bêbado. Seu chefe e seus colegas demoraram a descobrir que o café, que trazia de casa, na verdade, tinha mais da metade de pinga. Servia só para mudar a cor e esconder o verdadeiro conteúdo da garrafa. Capítulo IV - Minha avó materna Da
vida de minha avó, Rosa de Jesus Figueiredo, sei muito pouco, mas, com
certeza, teve uma vida dura e muito curta. Casada com um alcoólatra e
com três filhos para cuidar. Morreu ao dar a luz à minha mãe, em
Botucatu, em 31 de dezembro de 1.903, no dia em que chegara de
Araraquara. Minha
mãe E Por
isso, posso registrar as coisas de que me recordo, alguns depoimentos,
que ela e meus irmãos me fizeram, o que dará uma amostra do que foram
seus 92 anos e seis meses
de vida. Chamava-se
Maria Conceição Jesus de Figueiredo, antes do casamento, e teve vários
sobrenomes, nas certidões de nascimento de alguns filhos - ela teve 10
ao todo - consta Maria Conceição Figueiredo Coelho da Silva, em
outras, Maria Conceição Coelho da Silva; na minha certidão de
nascimento, constou apenas Maria Conceição, sem sobrenome e ela sempre
reclamava disso. O De
seus dez filhos, oito estão vivos até hoje; uma, Maria José, morreu
aos três meses de idade e outro, Gervásio, nasceu morto. Ela
nasceu, na passagem do ano de 1.902 para 1.903, no dia em que seus pais,
meus avós, chegaram a Botucatu, vindo de Araraquara, de carroça. Mas
foi registrada somente alguns meses depois. Como
seria uma viagem de Araraquara, de carroça em 1.902? Com a mudança,
uma mulher grávida e mais 4 crianças pequenas, que eram seus irmãos,
meus tios: João, Gervásio, Francisco e José. Quantos
dias teriam demorado? Qual o caminho que seguiram? Tenho muita
vontade de fazer pesquisa sobre isso, examinando os mapas da época.
Provavelmente, ficará somente na vontade, porque, no momento, não
disponho de tempo para isso. Assim, cabe a você, leitor, a tarefa de
imaginar. Ela
ficou órfã de mãe ao nascer, pois, minha avó faleceu durante o
parto. Portanto, pouco sabia sobre a mãe, apenas o que seu pai e
parentes lhe contavam. Era
a mais nova dos cinco irmãos. Meus tios José, Francisco, João
Felomeno e Joaquim Gervásio foram adotados pelo português Antonio
Costa e sua mulher, Sinhá Júlia. Minha
mãe, até os três anos, permaneceu morando na casa, onde nasceu,
dos compadres de meu avó, Juvenal Pereira e Luzia Pereira. Aos três anos de idade, numa das visitas rotineiras, que seu pai lhe fazia, ele disse aos compadres que “levaria a menina para dar um passeio”. Na realidade, ele a levou embora e a entregou também para o português Antônio Costa, pois com ele já viviam os outros meus tios, irmãos de minha mãe. Antônio Costa era casado com uma negra, filha de escravos,
que, se não me engano, livrou-se do cativeiro, em razão da famosa Lei
do Ventre Livre. Chamava-se Júlia (Sinhá Júlia, como minha mãe se
referia a ela) e tinha mais filhos, mas que eu sei e me lembro é de
“dona” Maria, que era filha legítima e tinha a mesma idade de minha
mãe. Minha
mãe tinha muita admiração e respeito pelo seu padrasto; citava-o
sempre como um homem de bom senso, parece até que os seus conceitos
morais e observações filosóficas sobre as pessoas e a vida eram
sempre atuais e norteavam a sua conduta. “Como dizia seu 07/06/97
(Arq. E-AB) PÁG. 06 Não
acontecia o mesmo com a madrasta, de quem ela falava pouco, mas de vez
em quando, citava a sua condição de preterida, ao longo da infância e
adolescência. A madrasta, tendo mais filhos e filhas, os protegia em
detrimento dela, seja na distribuição de tarefas de casa, sejam na
comida e sobremesa melhores. Esse drama só percebe quem, de certa
forma, foi criado na “casa de outros” e não de seus próprios pais.
De qualquer jeito, sempre se mostrou agradecida aos seus pais de criação, por tê-la adotado num momento, em que não tinha para onde ir. Meu pai
e minha irmã mais velha, Deolinda, eram mais revoltados, pela hipótese
de minha mãe ter sido judiada pela madrasta. Minha irmã, por exemplo,
cita o fato de que minha mãe era obrigada a passar roupa de toda a família,
já aos dez anos de idade e era tão pequena ainda, que precisava subir
num banquinho para ter a altura da mesa de passar. Deolinda
conta até um episódio, constrangedor, no seu relacionamento com Sinhá
Júlia, quando tinha cerca de cinco anos de idade. Toda vez, que ela
juntamente com minha mãe ou outra pessoa visitava Sinhá Júlia, abraçava-a
e beijava-a, chamando-a de avó. Vendo
isto uma amiga da família, inadvertidamente, disse a minha irmã
Deolinda que não deveria chamar “sinhá” Júlia de avó, porque
“ela tinha judiado muito de sua mãe”. E não deu outra, numa próxima
visita, Deolinda, quando “Sinhá” Júlia veio abraçá-la, negou-se
a aceitar o abraço e disse: “Não vou abraçar a senhora, porque a
senhora judiou muito de minha mãe”. Minha
mãe, casou-se aos vinte anos de idade com meu pai, João Coelho da
Silva, que, na ocasião, tinha 24 anos. Uma das coisas, que meu pai
dizia num sentido protecionista, é que apressou seu casamento com minha
mãe, porque “ela era muito judiada”. Aí, nós, os seus filhos,
maldosamente, retrucávamos, dizendo que, após casada, tendo oito
filhos e vivendo com a sogra, continuou sendo judiada e na “casa dos
outros...” Mas minha mãe administrou bem sua vida e criou seus
filhos, sempre com bom senso e foi, dentro de suas aspirações, feliz
com a vida, que teve. Ela
faleceu em 28 de junho de 1.994, portanto, com 92 anos, logo após o término
do jogo do Brasil com a Suécia, pela Copa do Mundo de 94. Eu me lembro
bem porque 13/06/97
(Arq. E-AB) PÁG. 07 A Na
velhice, teve qualidade de vida aproveitável até os seus últimos
dias. Teve a morte que eu gostaria de vir a ter e que desejo a meus
amigos, sem UTI, sem sofrimento e dor duradoura e constante. Na
semana anterior, uma onda de frio atingira S. Paulo e ela sentiu muito
este frio, que chegara de repente. Para nós, minhas irmãs e eu, ela já
estava se recuperando. Havia,
porém, uma preocupação da família, com o mês de junho. É que ela
sempre perguntava, se estava longe o mês de junho. Ninguém
sabia porque, nem tinha idéia sobre a razão dessa pergunta constante,
que fazia nos últimos seis meses. Isto ficou claro para todos que ela
tinha tido uma premonição de sua morte. Meu pai A
história de meu pai é bem diferente da de minha mãe, com exceção de
que ambos eram filhos de portugueses. Meu
pai era o segundo de oito irmãos, que eram: Manoel, João, Antônio,
José, Maria, Ana, Matilde e Marta. Matematicamente dividido: quatro
homens e quatro mulheres. Meu avô paterno Meu
avó paterno, chamava-se João Coelho da Silva, nome igual ao de meu
pai, e minha avó, Ana Rosa Gonçalves Coelho da Silva. Devem ter
nascido na década de 1.880. Não sei exatamente a data, em que meus avós
chegaram ao Brasil. Acredito que seria mais ou menos em 1.895. Sei
apenas que a história de amor deles se iniciou no navio, onde se
conheceram e o namoro e noivado duraram pouco, casando-se em seguida.
Sei que meu avó tinha mais três irmãos, todos homens, oriundos da
Ilha da Madeira. Geograficamente africanos, mas culturalmente
portugueses. (14/7/96
( Monte Verde) das 8:30 às 9:17) Na
Ilha da Madeira, não teria ficado nenhum outro irmão apenas seus pais.
Ao que me consta eram quatro irmãos, que vieram para o Brasil: João,
Manoel, Aires e Augusto. Um
deles, Manoel Coelho da Silva, ao que parece mais “vivo”, não
gostou do Brasil e resolveu emigrar para a Argentina. Mais tarde, também
não gostou da Argentina e decidiu emigrar para os Estados Unidos. Como
se vê, realmente era o mais “esperto” dos irmãos. Eu nunca tive
contacto com esse tio-avô, nem com seus descendentes. Soube apenas há
uns 15 anos atrás, que lá, nos Estados Unidos, ele trabalhava no ramo
de plásticos. U Meu
avó tinha o mesmo nome de meu pai, João Coelho da Silva, (o certo
seria meu pai ter sido batizado com o nome de João Coelho da Silva
Filho e meu irmão mais velho com o nome de João Coelho da Silva Neto)
veio para Jundiaí, juntamente com a minha avó, Ana Rosa Gonçalves
(Coelho da Silva), ainda solteiros. Sei
que, mais tarde, casados, resolveram mudar-se para Botucatu, ainda no
final do século. O motivo da mudança seria porque meu avó sofria de
reumatismo e Jundiaí era, na opinião deles na época, muito frio. Acho
que a escolha não foi muito feliz, porque Botucatu, (na linguagem indígena
significa “bons ares”) sempre foi uma cidade fria e, naquela época,
com certeza mais ainda, pois está localizada a uma altitude aproximada
de 800 metros. Meu
avó paterno, inicialmente foi colono, isto é, empregado na lavoura, na
Fazenda Velha em Botucatu. Ali aprendeu a lidar com café e, mais tarde,
veio para a cidade e foi trabalhar na Estrada de Ferro Sorocabana, também
como meu avó materno, de operário braçal em serviço de conservação
e implantação de trilhos. O serviço era pesado e duro, tanto que o
apelido desses operários, era “tatu de linha”, porque viviam a
fazer buraco para implantar dormentes. Era, provavelmente, o serviço
mais ruím, o pior remunerado e de menor prestígio na hierarquia da
Estrada de Ferro Sorocabana. Para ele e seus familiares, porém, não
era assim. Sua admissão na Sorocabana representava mais
"status", pois, era um emprego bem melhor do que ser colono de
fazenda de café. Lembro-me
de comentários de meu pai, de que meu avó era muito trabalhador e
honesto. Meu pai se orgulhava dele por isso e a mesma norma, meu pai
fazia questão de seguir e procurava transmitir aos filhos. Contava,
por exemplo, que, na Fazenda Velha, ele desenvolvia tanto o seu serviço,
que irritava seus colegas, que tinham que acompanhá-lo, para que o
capataz não fizesse comparação e lhes chamasse a atenção. No
entanto, quando trabalhou na Ferrovia, o seu chefe de serviço 07/07/97
(Arq. E-AB) PÁG. 09 p Ele,
como acontecia com quase todos os portugueses, que chegavam ao Brasil,
deveria ser bastante econômico e só gastavam dinheiro em coisas
imprescindíveis e o restante guardavam. Mas mesmo assim era difícil
acumular economia em pouco tempo, que levasse a poder adquirir
propriedades. A chácara em Botucatu, onde me criei, foi adquirida com
dinheiro de herança, que minha avó recebeu. Era meio alqueire, na Vila
Casa Branca. Não sei se era terra nua, ou se já tinha alguma melhoria,
quando adquiriu. Ficava na rua ......... n......... As ruas para cima,
................, entre as ruas.................... ainda não existiam.
Ficava perto da famosa “Serraria Anônima”, que era uma S/A, cujos
maiores acionistas eram os Milanesi. Sei que meu avô chegou a ver preço
e tentar comprar mais terras na hoje Vila..... Mas não concluiu o negócio,
porque morreu antes, quando tinha aproximadamente 35 anos de idade. E não
morreu em Botucatu, mas sim em uma cidade, além de Botucatu, em
Itatinga. Soube apenas que minha avó foi avisada de que ele estava
passando muito mal e pediam que fosse urgente vê-lo pois poderia até
morrer. Sua enfermidade era grave. Viajou assustada para Itatinga, temendo que ele já houvesse morrido e que estivessem escondendo dela. E não deu outra. Ele já havia falecido e ela chegou em tempo de apenas ver o corpo, antes de ser enterrado no cemitério de Itatinga. Contaram os parentes, onde ele se hospedara a última
vez, que estava com pressa de voltar a Botucatu. Pedira que o chamassem
cedo. Quando bateram na porta, não ouviram resposta nenhuma. Insistiram
várias vezes, mas nada. Aí constataram que havia morrido de enfarto
fulminante. Minha
avó providenciou o enterro em Itatinga e não pode avisar aos seus
filhos, todos menores ainda, nem a seus parentes e amigos em Botucatu do
falecimento do marido. Por isso, quando chegava o trem de passageiro em
Botucatu, vindo de Itatinga, todos corriam até beira da linha do trem
para verificar se chegavam. No dia seguinte, infelizmente, quando o trem
passou próximo à chácara, a uns mil metros antes de chegar à estação,
já a viram sozinha no trem, acenando com um lenço preto. Era a indicação
de que o marido morrera e já estava viúva. 22/07/97
(Arq. E-AB) PÁG. 10 Minha
avó e meus pais sempre nos transmitiram a informação de que o
reumatismo, que o acompanhava há bastante tempo, seria o responsável
pela sua morte prematura. Esta doença crônica teria deixado o seu coração
fraco. Talvez fosse a interpretação da medicina na época. Minha
avó paterna Minha
avó paterna, Ana Rosa Coelho da Silva, ficou viúva com cerca de 30
anos de idade e sua filha mais nova, Matilde, tinha 3 anos e o mais
velho, acho que Manoel, tinha 11 ou doze anos. Sozinha teve que
sustentar todos os filhos e sem rendimentos, pois naquele tempo não
havia nenhum tipo de pensão, que a viúva recebesse de instituto de
previdência. Aliás, nem instituto de previdência existia na época. É
difícil imaginar como procedeu. Suponho que tenha tido algum tipo de
ajuda de parente ou amigo. Mas para tudo existe uma explicação. Em primeiro lugar, ela era muito trabalhadeira e deveria ter boa saúde. A disposição para o trabalho e fibra são, de certa forma, facilmente encontradas nas mães, quando sentem o perigo em que se encontra a sobrevivência de seus filhos. A pequena chácara de meio alqueire de
terra seria cultivada por ela com muito trabalho. -"A
avó era boa enxada", disse-me recentemente, sem trocadilho e com
muita seriedade, meu primo Domingos (filho mais velho de meu tio
Manoel). Esta frase saiu-lhe espontaneamente, quando lhe perguntei se se
lembrava da avó. Dela disse-me só isso, nada mais disse nem lhe
perguntei, mesmo porque o ambiente, em que nos encontrávamos não era
propício. Foi no velório de minha sogra em Botucatu. Além
dessa disposição de luta e capacidade de trabalho, houve fatores que
facilitaram a vencer na luta para educar os filhos e deixá-los em situação
segura. E
o entendimento mais lógico e, provavelmente verdadeiro, é que o Brasil
vivia no final do Ciclo do Café. Como se sabe, o café era praticamente
o único produto brasileiro de exportação. Na
época, provavelmente entre 1.910 e 1.915, a chácara, de meio alqueire
de terra, já estava plantada com café. Era pouca terra e a produção,
conseqüentemente também era pequena, portanto, pareceria difícil
“uma micro-agricultora” exportar café, mas havia uma fórmula, que
funcionava muito bem. 27/07/97
(Arq. E-AB) PÁG. 11 A Ela,
minha avó, vendia a produção a uma dessas máquinas. Quando
menino, em tom de brincadeira, cheguei a ouvir de meus primos, que um
desses donos de máquina de beneficiar café - patrício português -
"paquerava" minha avó. Por isso, pagava bom preço pelo seu
café, “a fim de ajudar a viúva, que tem
oito filhos para criar”. Não
tenho informações se minha avó era bonita, quando jovem; a foto que
tenho dela é uma coletiva, aparecem quase todos os parentes, inclusive
eu que deveria ter mais ou menos uns cinco anos de idade, portanto,
seria de 1.939. Ela deveria estar com mais de 60 anos, na época da
foto. Portanto, já era velha. Quando jovem, e enviuvou jovem,
provavelmente com cerca de 30 ou 31 anos, deveria ser bonita. Suas
filhas eram bonitas. De rosto, eram bonitas. É
certo que as conheci já donas de casa, todas mais para gordas do que
para magras, muito embora o conceito de beleza na época era mais favorável
às gordas. Além disso, cheias de filhos, portanto, não havia como
avaliar a sua beleza. Porém,
a Matilde, a mais nova de todos os irmãos, era bonita. Dela me
lembro bem e também dos comentários de meus irmãos e primos, que eram
sempre elogiosos para ela: “A tia Matilde é muito bonita”. E a sua
beleza, evidentemente, se salientava das irmãs, porque morava em São
Paulo, portanto, não era “caipira” como as outras, que eram do
interior. Além disso, ela não tinha filhos, provavelmente porque seu
marido, Benedito, não poderia tê-los. Isto evidentemente a deixava com
mais tempo para se cuidar de si mesma, enquanto as suas outras irmãs
tinham no mínimo quatro filhos cada uma. Mas,
quanto à beleza de minha avó é difícil afirmar que, quando já viúva,
fosse bonita, com tantos problemas e preocupações. Enfim, como uma
mulher pode ser atrativa, trabalhando diariamente 18 hora por dia, para
cuidar e dar de comer a tantos filhos pequenos? Se
minha avó era bonita ou feia isso não teve a menor importância, a não
ser quando conquistou meu avó, na viagem de Portugal para o Brasil. O
que teve muita importância foi a sua capacidade de trabalho e, com
certeza, alguma organização na 29/07/97
(Arq. E-AB) PÁG. 12 administração
chácara e da economia da família. P elo
que analiso agora e pelo que me recordo, ela tirava tudo o que podia
para a sobrevivência da família da chácara, como feijão, milho,
frutas. A chácara era quase inteira plantada de café. Nas “ruas”
dos cafeeiros - o espaço que fica entre uma fileira de pé de café e
outra - eram plantados milho, feijão, etc. Lembro-me de menino da existência
de um mandiocal - separado da plantação de café - onde eu costumava
brincar em baixo e, para a imaginação infantil, era um esconderijo
perfeito, na minha luta de mocinho contra os bandidos. Frutas
havia bastante, como manga rosa, que era plantada na divisa da chácara,
com os vizinhos, para não fazer sombra no meio da chácara e atrapalhar
a plantação de café. E havia muitas manqueiras e os vizinhos levavam
vantagem também, porque as frutas dos galhos, que ficavam de seu lado,
davam aos vizinhos o direito de colhê-las. Na pior das hipóteses,
maduras caiam e eram recolhidas por eles. Lembro-me de cáqui, mexerica,
abacate e laranja, estas não ficavam na divisa da chácara. E havia,
evidentemente, a horta de verduras, como couve, alface, tomate, etc. Criavam-se
porcos; para mim, numa visão de criança, eram bastantes, mas na
realidade não poderiam ser muitos, pois se destinavam apenas ao consumo
familiar. A gordura - eu me lembro bem - era guardada em tambor e usada
para cozinha. Aliás, toda a produção da chácara era para a sobrevivência
da família, com exceção do café, que era vendido. Do café, que se
consumia, lembro-me apenas de vê-lo moído - depois de beneficiado e
torrado por terceiros. Não sei se era de produção própria ou já era
comprado beneficiado e torrado. Só sei que era moído em casa. Como
se vê, havia uma “organização” de produção para consumo e para
venda do que era produzido nesta pequena chácara de meio alqueire de
terra. E, aparentemente, quase que milagrosa, pois, garantiu a sobrevivência
da família, os filhos freqüentaram a escola, todos aprenderam a ler e
escrever e completaram o curso primário e ainda fez alguma poupança.
As economias, que minha avó fazia do dinheiro recebido da venda do café
em grão, eram aplicadas na construção de casas dentro da própria chácara.
A meta que ela tinha em mente era a de construir uma casa para cada
filho. Como ela tinha oito filhos, o 07/08/97
(Arq. E-AB) PÁG. 13 objetivo
a atingir eram oito casas, o que foi conseguido. A medida em que ia
construindo casas, as alugava o que aumentava a renda familiar. O s
filhos, quando crianças, provavelmente já a partir dos oito anos de
idade, trabalhavam na chácara, fazendo serviços compatíveis com
a idade. Com certeza, como aconteceu comigo, que desde os oito
anos já tinha alguma obrigação a cumprir na chácara. Isto
fortalecia a economia familiar, pois os portugueses, vindos para o
Brasil, sempre foram muito econômicos, seja por estarem em terras
estranhas, onde a insegurança é muito maior, seja por uma conscientização
de que o futuro da família depende realmente de algum “pé de meia”
ou patrimônio. Há
uma expressão que a gente usa até hoje, quando se refere ao espírito
econômico dos portugueses: “o dinheiro quando entra no seu bolso, não
sai nem com ‘habeas corpus’ ”. E
o que tornava viável a existência de uma micro empresa agrícola
familiar era a divisão do trabalho entre todos, inclusive os menores. O
ensino, na prática diária de que todos têm obrigação de trabalhar,
desde muito cedo, parece-me hoje muito positivo. A freqüência à
escola também era coisa sagrada. Meu pai e todos os seus irmãos
completaram o curso primário. O que era muito na época. Felizmente,
naquele tempo, não havia os políticos, que se dizem defensores de
"direitos humanos", que entendem que ensinar as pessoas a
trabalharem desde cedo constitui violentação dos direitos das crianças.
Se existissem, com certeza, a nossa família teria sido desagregada e o
ciclo de moradores e meninos de rua, que vivemos hoje, teria começado há
80 anos atrás. Em
fim todos trabalhavam. E como trabalhavam. Contava meu pai que, em noite
de lua cheia, o trabalho, na lida com a plantação, se estendia até 10
horas da noite. Somente muito trabalho justificaria a sobrevivência da
família e até conseguir fazer alguma economia. Minha
avó Ana Rosa Gonçalves Coelho da Silva faleceu, quando eu tinha cerca
de dez anos de idade, por volta de 1.944. Tinha
problema com a pressão alta. Já havia sofrido um ligeiro derrame
cerebral, que lhe dificultava a movimentação de um dos braços e a
fala. Na minha presença, estava sempre alegre e brincava muito comigo.
Eu, moleque, evidentemente não lhe dava muita atenção. Mas tudo que
precisava, corria pedir a 16/08/97
(Arq. E-AB) PÁG. 14 avó
e a resposta era quase sempre afirmativa. De
sua morte, lembro-me apenas de minha mãe me chamar para despedir da avó,
que tinha morrido. A lembrança é muito vaga de a ver na cama imóvel.
Só isso, nada mais do que isso. Como diriam os antigos: "Cumpriu
sua missão; agora descansou". MEU
PAI M eu
pai nasceu em 1.900 e morreu em 1.971, no dia 13 de março. Parece-me
muito importante, que eu narre o ambiente em que se vivia na chácara e
o relacionamento familiar, para que o leitor possa entender a sua vida
familiar naquele tempo e no pequeno
espaço da chácara e Botucatu. Quando
minha avó morreu, eu deveria ter cerca de oito a dez anos. Seus filhos,
meu pai e meus tios, já estavam todos casados e, e a maior parte, com
bom relacionamento familiar, conforme aparecem na foto de página___.
Exceção se fazia
ao meu tio Antonio, que - segundo me lembro de ouvir contar - era
rebelde. Teria se desentendido com a minha tia Marta, saiu de casa ainda
adolescente; fora morar, então, com
a sua irmã Maria, que já estava casada e residia em São Paulo. Mais
tarde, para completar a tristeza de minha avó e talvez contestar a
moral rígida, que imperava na família, resolveu viver com uma mulher
descasada. Ela tinha o
“dobro da sua idade”, segundo diziam. Minha
tia Marta, seu marido e filhos, também não aparecem na foto. Ela também
teve problemas com o marido, Mário Gouveia, que ostensivamente não se
contentava em ter uma só mulher. Por isso, ele, que era farmacêutico
ou oficial de farmácia, sempre inventava estabelecer-se fora de
Botucatu. E, nessa época, minha tia Marta, com os seus cinco filhos,
fora morar com o marido em Itatinga e, provavelmente, tentar impedir que
outra tomasse o seu lugar. Mas
a tentativa durou pouco e logo foi obrigada a retornar a Botucatu e
morar na chácara, sem o marido, que “só vinha a Botucatu para fazer
mais um filho”, como diziam as más línguas. Meu
pai, que era irmão dela, é
que fazia as vezes de pai, “quando ela não podia com a vida dos
filhos”. Na
chácara moravam então 1
- tia Marta, com seus 5 filhos Acácio, Álvaro, Laura, Lurdes e
Martinho; 28/08/97
(Arq. E-AB) PÁG. 15 2
- tia Ana, e seu marido Augusto Delgado, com seus 4 filhos Mário,
Antonio, Celeste e Wilson, e 3
- meu pai, com seus 8 filhos, Deolinda, João, Rosa, Anita, Conceição,
Adelino, Egydio e Aparecida. 4
- Próximo ao campo da Ferroviária, em Botucatu, mas não na Chácara,
morava o tio Manuel com sua mulher Ernestina e seus filhos: Domingos, João,
Oswaldo, Manuelito, minhas primas Herotildes, Anita. 5
- Em São Paulo, moravam meus tios: José, Antonio, Maria e Matilde. Não
vou citar todos os nomes de meus primos agora, mas se houver interesse,
você, leitor, poderá encontrá-los no capítulo próprio deste livro,
onde contarei o que me lembro de cada um dos meus tios e primos. Todos
os meus tios e os maridos de minhas tias (que para as crianças são
sempre tios legítimos), mesmo os que moravam em S. Paulo, trabalhavam
na Estrada de Ferro Sorocabana. A exceção
eram meu pai, João Coelho da Silva e o marido da tia Marta, Mário
Gouveia, que era farmacêutico ou oficial de farmácia. Minha
pai tinha uma profissão, carpinteiro, que lhe dava a liberdade de não
trabalhar na Estrada de Ferro Sorocabana. (Carpinteiro é um artífice
ou operário especializado, que prepara a madeira para a construção
civil, talvez seja hoje, como muitas, uma profissão, que está sendo
extinta). Antes
de 1.942, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ainda não
estava em vigor, o trabalho na Ferrovia era praticamente o único
emprego compensador, mas era difícil e árduo, porque os operários
eram obrigados a trabalhar muitas horas, até 18 horas por dia, quando não
ultrapassava 24 horas. Os cargos principais na locomotiva eram o de
maquinista, o “motorista”, o foguista, que alimentava a fornalha,
jogando dentro dela a madeira e o graxeiro, que colocava óleo e graxa
nas juntas e era também o faxineiro. Eu me lembro de ver o graxeiro -
logo que o trem partia do pátio de manobras - com o trem já correndo
com bastante velocidade, se segurando nas laterais da máquina, e
colocando óleo e graxa nas partes superiores da locomotiva. Alguém me
explicou que isto acontecia porque ele, graxeiro, chegava tarde ao serviço
e era obrigado a terminar seu serviço com a locomotiva em movimento. 01/09/97
(Arq. E-AB) PÁG. 16 Q uem
cuidava do resto do trem, era o “chefe do trem” fosse ele de carga
ou de passageiro. Quando era de carga, o “chefe do trem” viajava no
último vagão, que - me parece - tinha alguma mordomia. E no último
vagão, ficava a lanterninha vermelha, evidentemente para evitar que
algum outro trem pudesse bater. Daí, até hoje a expressão usada,
principalmente em campeonato de futebol, que o time tal é o lanterninha
do campeonato, para indicar que ele é o último colocado. Como
o sistema de comunicação e de controle no tráfego dos trens era precário,
as viagens duravam muito tempo e havia dificuldade do retorno dos
ferroviários às suas casas. E naquele tempo não havia hora extra e o
salário era fixo e mensal. O serviço era pesado e cansativo, mas, como
disse, era ainda o melhor por ser garantido e ganhar normalmente acima
dos outros empregos na lavoura, no comércio e nas poucas indústrias
existentes na época em Botucatu. Meu
pai, no final da década de 20 e durante a década de 30, trabalhava de
carpinteiro, que era a sua profissão e trabalhava também na chácara,
na lida com a lavoura de café e, numa
pequena lavoura de subsistência, lidando com porcos, galinhas, milho,
mandioca, verduras, etc. Quando os filhos, já estavam maiores, depois
ou antes de irem à escola, também trabalhavam na chácara, juntamente
com minha mãe. Ele
tentou trabalhar na Sorocabana, inicialmente de graxeiro, que era o início
de carreira até chegar a maquinista. Mas acabou desistindo, porque o
regime de trabalho era muito rigoroso e no início de carreira o salário
era muito baixo. Outros
colegas dele não tinham opção e eram obrigados a sujeitar-se aos horários
e regime desumanos, que
vigoravam na época, mas meu pai não. “Eu era carpinteiro e, muitas
vezes, ganhava mais como carpinteiro, do que os que trabalhavam na
Sorocabana”, dizia sempre ele, para explicar porque demorara tanto a
pleitear trabalho na Ferrovia. Além
disso, havia o trabalho constante na chácara, que ele não podia deixar
só para minha avó, minha mãe e, mais tarde, para meus irmãos mais
velhos. Estas
histórias eu as sei de ouvir falar. Do que eu me lembro mesmo é de meu
pai já trabalhando na Sorocabana e, ao mesmo tempo, fazendo serviço de
carpinteiro. Não
sei como, nem com quem aprendeu a profissão de carpinteiro, 03/09/97
(Arq. E-AB) PÁG. 17 acredito
que ele anteriormente teria trabalhado na Serraria dos Milanesi, que era
vizinha à chácara. D a
infância de meu pai, eu não me lembro de ter ouvido alguma história,
que fosse digna de registro, muito embora seja fácil imaginar. Morando
praticamente na zona rural e com muito pouco contacto com pessoas de
outros ambientes, que não fossem sua mãe e seus irmãos, sua infância
deve ter sido feliz, pela liberdade de morar em lugar amplo, uma chácara,
onde a imaginação infantil inventa brinquedos e travessuras. Além
disso é de se supor que vivesse sua época, com mais informações do
que apenas um garoto de sítio isolado, pois - aos domingos com certeza
- ia à igreja e freqüentava o catecismo, que era uma espécie de
escola de religião, que existia junto às igrejas católicas. Também não
se pode esquecer que ele completou o curso primário, onde mantinha
amizade e contacto com seus coleguinhas de escola. De
qualquer forma, em relação a outras crianças de cidade grande, deve
ter sido um caipirinha, como é o personagem “Chico Bento”, de história
em quadrinhos. Botucatu,
naquela época, era uma cidade pequena. Além disso, a chácara ficava
no fim da cidade. Só uma rua servia a chácara, a Rua Casa Branca.
Provavelmente, fora aberta para servir à Serraria dos Milanesi, que era
um pouco mais adiante junto à Ferrovia e tinha até uma linha de trem,
um pequeno ramal que ia até dentro da Serraria. Servia para descarregar
as “toras” (palavra que para nós significava tronco de árvore sem
os galhos e preparado para serem serrados). Quando
penso em meu pai criança, adolescente e jovem não consigo esquecer o
que me disse um primo dele - e eu não gostei nada na ocasião. Durval
Coelho da Silva, filho de meu tio-avô, Aires Coelho da Silva, num
encontro casual provavelmente enterro ou casamento de algum parente,
falou de seu relacionamento com meu pai. Disse que meu avô fora morar
no interior e seu pai preferiu ficar em São Paulo. E, quando ele já
era adolescente ou adulto, no contacto com os primos do interior, notou
uma diferença muito grande. Os do interior eram “caipiras” e bem
caipiras, no modo de falar, no modo de se vestir e nos valores sempre
mais conservadores. E meu pai, disse ele, era um caboclo do interior
forte e com boa aparência, mas com todas as características de um
caboclo, que vivia na zona rural. Hoje
essas diferenças entre as pessoas estão muito menores, seja 13/09/97
(Arq. E-AB) PÁG. 18 pelo
maior contacto entre todos, seja pelos meios de comunicação, o que
torna quase todas as pessoas mais parecidas. O s
acontecimentos, que marcaram a vida de meu pai na juventude, vêm de
quando serviu o Exército. Acostumado à rotina da vida do interior, bem
familiar, repentinamente, aos dezenove anos, foi convocado para o período
de um ano a servir em quartel na cidade de em São Paulo. Ele demonstrou
- pelo que nos contava - no relacionamento com os colegas e com seus
superiores imediatos, a ingenuidade e, ao mesmo tempo, a esperteza do
caboclo do interior. Ele falava, com orgulho, da sua “técnica” para
fugir daqueles exercícios pesados e sadistas, que os sargentos,
costumam exigir dos soldados. Como
ele já tinha sofrido uma operação de hérnia, alegava logo que não
poderia fazer serviço pesado, nem se submeter a exercício que
obrigasse a grandes esforços. Aí então lhe sobrava os serviços mais
leves e logo se oferecia a fazer “serviço de rua”. “Mas
se você é caipira de Botucatu, como conhece São Paulo”?, debochou
de imediato o
sargento. Aí
ele explicava que vinha muito a São Paulo, à casa de seus tios e
estava acostumado a tomar trens, bondes e ônibus. Passou, então, a
executar trabalho externo, era um estafeta do Exército. Quando em serviço,
não precisava pagar a passagem do bonde, porque portava um passe, que
lhe garantia a gratuidade. E
logo percebeu que os cobradores, quando viam soldado fardado,
perguntavam: “Tem passe?”. A
que ele respondia que sim, estivesse ou não em serviço. Assim,
quando estava de folga e
andava de bonde, usava sempre a farda,
para não pagar, já que estava sempre “duro”. Minha avó não lhe
dava dinheiro extra, nem tinha para dar e o que o Exército pagava, na
época, era muito pouco e “não dava nem para o bonde”, para usar
uma expressão, que vigorou, durante muito tempo, em S. Paulo e
significava muito pouco dinheiro. Vez
por outra, porém, o cobrador desconfia, e dizia: “Posso ver o
passe?” “Pois
não, aqui está” e dava ao cobrador o valor trocado da passagem. “Malandro,
hein. Quis me passar prá trás?", retrucava com ar de vitória o
cobrador. 18/09/97
(Arq. E-AB) PÁG. 19 que
ele respondia, para não ficar com cara de tonto: “Para mim, passe ou
dinheiro da passagem quer dizer a mesma coisa”. Em
1.922 casou-se com minha mãe, Maria Conceição de Jesus Figueiredo.
Sua história de amor é simples, como o era a sua vida. Antes de minha
mãe, ele chegou a namorar uma moça de nome Teresa Coelho, que não era
nossa parente nem distante. Com certeza era “Coelho de outra toca”.
Namorar naquele tempo, era mais ou menos assim: primeiro o rapaz gostava
da aparência da moça, chegava até trocar olhares com ela, o que não
era necessário. Em seguida, procurava o pai da moça e pedia autorização
para começar a namorar. Dado o sinal verde, aí começava a se
encontrar com ela e namorar no portão de casa. Se dava certo, o próximo
passo era o noivado e aí então podia entrar na casa da noiva e noivar,
o máximo permitido era segurar na mão da noiva. Beijar nem pensar,
pelo menos na presença de pais e irmãos da noiva. A exceção a esta
regra evidentemente existia, mas era pecado e proibido e só vinha à
tona, quando a moça já estava grávida. O jeito, então, era casar às
pressas. Muitas vezes havia até a participação do delegado de polícia,
que obrigava o rapaz a assumir suas responsabilidades, senão ia preso.
Quando o pai não aparecia, a vergonha da família da moça era muito
forte. Não raras vezes era expulsa de casa e o caminho era procurar
abrigo em casa de prostituição. Mas
com meu pai e a sua namorada Teresa Coelho às coisas aconteciam tudo
nos conformes, de acordo com o costume e a normas estabelecidas. Porém,
com ela não deu nada certo, nem nos conformes, nem fora deles. Eles se
desentenderam e ele não
mais foi até o portão de sua casa para namorar. Talvez antes de pegar
na sua mão e deve ter ficado sem saber se sua mão era grossa ou fina. O
jeito, então, era “piá
outra”, porque sem namorada a vida, já tão rotineira, ficaria muito
mais sem graça. “Sinha”
Júlia e Antônio Costa eram comadre e compadre de minha avó, pois
tinham batizado o Antônio, irmão de meu pai, e eles se visitavam
constantemente. Minha mãe, moça, próximo de completar 20 anos de
idade, era enteada de Sinhá Júlia. Logo, nessas visitas, alguns
olhares devem ter sido trocados. A posição humilde, educada e até
delicada, pois sempre foi magrinha. O fato de ser enteada, destacando-se
entre as suas irmãs de criação, que eram mulatas, 22/09/97
(Arq. E-AB) PÁG. 20 deve
ter dado a meu pai a idéia de que poderia vir a ser o seu príncipe
encantado, que a salvaria. A jovem
sempre trabalhando muito, aparentemente humilhada em situação
constrangedora, de viver de favor em casa dos outros, enfim, a
Borralheira. Se
eles namoraram bastante tempo, se o casamento foi “arrumado” pela
minha avó e pelo madrasto de minha mãe o também português,
Antônio Costa, eu não sei e ainda não pesquisei. O importante
é que o casamento deu certo. Casaram-se,
“ele com 24 anos e ela com 20 anos”, conforme registra a certidão
de casamento, e minha mãe veio morar com meu pai, na casa de minha avó,
contrariando o dizer o popular: “quem casa quer casa”.
Provavelmente, ela não gostaria de morar com a sogra. Mas não havia
alternativa; não só o dinheiro era curto, como também um dos filhos
tinha que continuar a cuidar da própria mãe, que era viúva. E
os filhos foram surgindo, primeiro Deolinda em 1.924, depois Anita, em
1.926, João em 1.928, Rosa em 1.930, Conceição em 1.932, Adelino em
1.933, Egydio em 1.934 e Apparecida em 1.936. Houve ainda mais um filho,
Francisco, (não pesquisei ainda o ano de seu nascimento) que viveu, me
parece, alguns meses e morreu. Aí parou, ou por que se acabaram os óvulos
ou por que alguma doença deixou minha mãe infértil. A
responsabilidade, que coube a meu pai, era grande, pois eram muitas
bocas a alimentar, além da preocupação de cuidar da minha avó e também
alguma preocupação com os sobrinhos, que viviam na chácara, como os
filhos de minha tia Marta, cujo marido era proprietário de farmácia em
outras cidades, ora em Itatinga, ora em Palmital e ora em outras cidades
na alta Sorocabana. Além
de exercer sua profissão de carpinteiro, meu pai era o faz tudo na Chácara.
Cuidava do café, da criaçao de porcos e galinhas e ajudava a dirigir
as obras das casas, que minha avó ia construindo com o objetivo de
deixar uma casa para cada filho. Meu pai fazia também o madeiramento
dessas casas, como portas, janelas, etc. O
lazer de meu pai, me parece, se resumia no futebol local, mais do que o
da Capital. Lembro-me de meu pai, como torcedor do clube amador Associação
Atlética Ferroviária de Botucatu. Tratava-se de um time de futebol,
que tinha o apoio e o patrocínio dos diretores locais
da Estrada de Ferro Sorocabana. E na
década de 30 e 40 era bom o time. Aos melhores jogadores, os dirigentes
locais da Ferrovia conseguiam emprego, o que fazia com que bons
jogadores viessem a jogar na Ferroviária. Outra
diversão, meu pai não me parece que tivesse. Aos domingos, era missa
com a família e assistir ao futebol. Outra mulher, como amante ou mesmo
aventura extraconjugal, tenho certeza de que não tinha. A fidelidade
era uma das coisas de que se orgulhava, como também de ser honesto e de
querer somente o que era dele. Nós
morávamos, na casa velha ou grande, juntamente com minha avó, que
preferia morar com minha mãe e com meu pai, do que com outra filha.
Poderia ser a Ana ou a Marta, que moravam na chácara, em suas
respectivas casas com o marido e filhos. É que minha mãe sempre teve gênio
bom, compreensiva e tolerante e administrava bem a convivência com a
sogra. Não sei se conviver com minha avó era difícil, eu pessoalmente
gostava muito dela, nem a metade do que ela gostava de mim, porque -
entre tantos netos - eu tive o privilégio de ser seu preferido. Pouco
me lembro disso, mas meus irmãos “reclamam” até hoje desse meu
privilégio. Mas
para nós, moleques, as frutas dos vizinhos eram mais gostosas e,
talvez, fossem. No vizinho do lado direito (olhando da R. Casa Branca),
chácara do Russo, havia uva, parreiras, que, para mim, criança,
pareciam abundantes. E o Russo também tinha um tipo de manga diferente
da nossa pequena e simples manga rosa. Era a manga “sangue de boi”,
este era o nome ou apelido da manga. No vizinho da esquerda, havia
goiaba, terreno dos Milanesis, para nós, gente muito rica porque eram
donos da “Serraria Minha Biografia Em
Botucatu, eu nasci, vivi minha infância e adolescência, ajudei meu irmão,
João, a fundar um time de futebol, Esporte Clube Inca, que o prefeito
de Botucatu, Jamil Cury, tudo fez para tentar acabar com ele e eu e meu
irmão João tudo fizemos para impedir o seu intento. Aos 17 anos, vim morar em S. Paulo, fiquei aqui somente 1 ano e, em seguida, voltei para fazer o Tiro de Guerra em Botucatu; após retornei novamente para S. Paulo. Aqui, dei seqüência aos estudos, prestei concursos públicos, namorei firme, fiquei noivo e, aos 28 anos de idade, mudei-me para Assis para assumir o cargo de agente fiscal de rendas, na época auxiliar de fiscal de rendas. Em
Assis, em 14 de julho de 1.963, fundei um jornal, Voz da Terra. Em
maio de 1.964, mudei-me para Ourinhos, com mulher e filho, onde fiquei
durante 3 anos. Ali, em companhia do prof. José Serni e Odayr Alves da
Silva, fundamos o jornal O Progresso de Ourinhos, que durou mais ou
menos 5 anos. Em 1.967, voltei com a família, para São Paulo; em 1.976, fundei, com a ajuda dos jornalistas Renato Santana e Marcos Barrero, o Jornal da Bela Vista, que neste ano de 1.996, completou 20 ano de circulação ininterrupta. Mais
tarde, seguindo uma tendência que se verifica em vários grupos de
jornais de 21/05/97
PÁGINA 03 airro,
passei a editar os jornais: O Higienópolis (ex-Higinews), O Paraíso, O
Cerqueira César e A Liberdade. Em
1.986, fui presidente da Associação dos Jornais de Bairro de S.
Paulo-AJORB e, agora, em 11 de junho de 1.996, dez anos depois, voltei a
ser eleito novamente presidente da AJORB. Em Monte Verde, fui presidente
da Associação Comercial, de 1.979 a 1.986, portanto, durante cerca de
sete anos e, agora, em 1.996, voltei a ser seu presidente novamente,
deixando o cargo em 2.002. Em
1.976 e 1.982, fui candidato a vereador em São Paulo e em 1.986 a
deputado estadual. Perdi as três eleições, porque, numa auto-gozação,
“fui traído pelo povo”. Ou então, por dois motivos: "as
pessoas, que me conheciam, não votavam em mim porque me conheciam e as
que não me conheciam não votavam em mim por que não me
conheciam". Brincadeiras
à parte, na verdade, perdi as três eleições por um motivo muito
simples: eu era candidato de mim mesmo. Não tinha base eleitoral.
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Referências
do livro autobiografia de gente sem importância... Índice por assunto e por nome de pessoas citadas:
Antônio Figueiredo (primo-materno) - capítulo III Araraquara - capítulo III Assis-SP - capítulo II Adelino Figueiredo (avô materno) - capítulo III Ajorb- Associação dos Jornais de Bairro de S. Paulo - capítulo II Barrero - Luís Marcos - capítulo II Bixiga ou Bela Vista, bairro de S. Paulo - capítulo II Botucatu - capítulo II Cerqueira César, bairro de S. Paulo - capítulo II Esporte Clube Inca - capítulo II Higienópolis, bairro de S. Paulo - capítulo II Jamil Cury - capítulo II João Coelho da Silva (avô-paterno) - capítulo III João Coelho da Silva Filho (irmão) - capítulo II José Figueiredo (primo -materno) - capítulo III José Figueiredo (tio-materno) - capítulo III Liberdade, bairro de S. Paulo - capítulo II - capítulo II Monte Verde-MG - capítulo II Nair de Almeida (esposa) - capítulo I Odayr Alves da Silva - capítulo II Ourinhos - capítulo II Paulo Egídio (filho) - capítulo I Paraíso, bairro de S. Paulo - capítulo II Portugal - capítulo III Renato Sant'Ana - capítulo II Rosa de Jesus Figueiredo (avó-materna) - capítulo IV São Paulo - capítulos II Voz da Terra (jornal de Assis) - capítulo II
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