CAPÍTULO I
Início e Monte Verde antes de Monte Verde
Monte Verde começou a nascer em 1950
A data mais provável é 29 de novembro de 1.950,
quando Verner Grinberg (1), fundador da
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cidade, vendeu os dois
primeiros lotes da sua fazenda, que se localizava, onde é hoje Monte
Verde.
(1) Grinberg:
nome de família ornamental,
de origem alemã, "grünberg",
que foi traduzido para o sueco.
Primeiro elemento, "grin", verde, equivalente a
"green" em inglês e um segundo, "berg", monte,
correspondente a "hill", em inglês.
(2 ) letoniano:
Na língua portuguesa, são cinco adjetivos pátrios, que designam
quem nasce na Letônia: letoniano, leto, letão, letônio e
letonês. |
Evidente que, a partir daí, a
fazenda começava a desaparecer e, no seu lugar, iria nascer uma pequena
vila alpina, que mais tarde seria denominada Monte Verde.
É a tradução do sobrenome do fundador.
Antes de Monte Verde, o que existia?
A cidade, que desapareceu: histórias e lendas
Em depoimento à jornalista Sueli Silva, em 2006, para publicação no
jornal Voz da Terra de Monte Verde, os antigos contaram que:
Há muito tempo atrás, antes mesmo da chegada dos letos na região,
existiu um lugar considerado um paraíso pelos antigos habitantes, o
Ponciano.
Uma região de matas nativas e cercada por pinheiros, cachoeiras e muitos
bichos, como a onça pintada e a suçuarana.

Cachoeira dos Poncianos |
Um povo hospitaleiro, que gostava de muita festa.
Um antigo morador (que não quis
se identificar) contou muito da história da Vila Ponciano.
Disse que seus avós moravam na Vila
Ponciano.
Lamenta que dela agora só resta
um fogão de lenha, as telhas do telhado da igreja estão lá
ainda no chão.
Lembrou-se de que, quando era
criança, costumava com seus amiguinhos brincar na Vila, que
na época tinha muitas coisas, que mostravam como ela era.
"As vinhas plantadas pelos
antigos moradores permanecem lá até hoje", disse ele.
Contou que visitava a Vila em companhia de sua tia por
motivo religioso, pois havia uma tradição antiga de celebrar
a "carpição", que começava em agosto e era repetida por três
vezes seguidas.
Explicou que a celebração religiosa era feita da seguinte
forma:
Após as orações praticadas por todos, cada um pegava um
pouco de terra na mão e dava a volta na igreja e colocava a
terra, que traziam em suas mãos num só lugar.
Isto era
feito em agradecimentos às benções recebidas.
O acesso ao Ponciano poderia ser feito também pela região de São
Francisco Xavier, interior de São Paulo.
De acordo com depoimentos de quem viveu nesta cidade, tudo era muito
tranqüilo até a chegada, por volta de 1925, da Companhia Melhoramentos
(1), que começou a plantar pinheiros, pinus, em toda a fazenda para
produção de papel.
Dirigida principalmente por alemães, que imigraram para o Brasil, devido
à explosão da primeira Guerra Mundial, a Melhoramentos não se preocupou
com os costumes, com a cultura e com tradição dos moradores.
(1)
Companhia Melhoramentos
Fundada em 12 de setembro de
1.890.
Em 1923, a companhia tomou a
decisão de investir em florestas plantadas como fonte de
matéria-prima para celulose, sendo uma das pioneiras nesta
atividade.
Além da unidade em Monte Verde, onde são realizados o manejo de
pinus e do eucalipto, possui mais duas unidades no Estado de São
Paulo, em Bragança Paulista e em Caieiras. |
A cidade foi sumindo, após a desapropriação dos terrenos, adquiridos
pela Melhoramentos.
A antiga igrejinha, construída por seu povo, e as poucas casinhas, que
existiam, foram destruídas e não restava praticamente nada mais daquela
comunidade.
A única opção dos moradores foi procurar outro lugar para
começar a vida.
Isto aconteceu próximo à chegada definitiva do Sr. Verner na região, por
volta de 1950, quando começou a construir Monte Verde.
E, graças ao Sr. Verner, muitos desempregados tiveram o seu apoio e
vieram trabalhar na construção na nascente vila, fundada por ele.
Hoje não existem nem mesmo ruínas no Ponciano, apenas as estórias e
histórias dos que viveram lá.
Era rígida com o povo do Ponciano, segundo relato dos mais antigos.
Todos tinham que trabalhar duro, produzindo mudas de pinheiro durante
três anos (2) para a Companhia, só depois receberiam pelo trabalho.
(2) Durante três anos
Em 2020, reescrevendo esta matéria, escrita em 206, achei
estranho e muito longo o tempo de três anos para que o
trabalhador recebesse pelo seu serviço.
Por isso, tentei ouvir a versão da Cia. Melhoramentos sobre
isso.
Enviei para ouvidoria da Companhia o seguinte email:
“Estou concluindo o livro sobre história da fundação de Monte
Verde.
Há depoimento de moradores, que dizem:
"Dirigida por alemães, que imigraram para o Brasil, devido à
explosão da primeira Guerra Mundial, a Melhoramentos não se
preocupou com a cultura e tradição dos moradores.
Era rígida com o povo do Ponciano, segundo relato dos mais
antigos.
Todos tinham que trabalhar duro, produzindo mudas de pinheiro
durante três anos para a Cia, só depois receberiam pelo
trabalho.
Favor informar para que sua versão também conste do livro.
Grato.
Egydio Coelho da Silva”
Recebi a seguinte resposta:
“Prezado(a) Senhor(a),
Encaminharemos sua demanda ao setor responsável que deverá
entrar em contato em breve.
Estamos à disposição para mais informações.
Desde já agradecemos o contato.
Atenciosamente,
Ouvidoria Melhoramentos”.
Infelizmente não recebi nenhuma outra informação,
É sabido que, antes da legislação trabalhista ser estendida às
áreas rurais, normalmente a forma de pagamento aos trabalhadores
seguia um costume paternalista.
O empregador dava moradia e também permitia que o empregado e
sua família cultivasse uma pequena área de terreno para plantar
produto para sua subsistência.
O empregador mantinha um armazém de secos e molhados, que
fornecia gêneros de primeira necessidade aos empregados, que
assinavam vale e no final do mês ou de mais meses, eram
descontados do pagamento pelos serviços prestados ao empregador.
Mas, me parece que três anos é prazo muito longo, por isso estou
tentando ainda obter alguma informação para esclarecer essa
dúvida. |
Sebastião Nunes, 77 é uma pessoa muito especial.
Ele é bravo, porém bondoso e cativante. |
“Sebasião é daqueles que não engole sapo, não leva desaforo para casa,
entende?”
Além disso, morou no Ponciano, quando era jovem e viveu na comunidade,
que ali existia, antes mesmo da chegada dos letos, europeus, húngaros
etc.
É fazer uma pergunta apenas, que o Sr. Sebastião começa a contar
histórias e não pára mais.
Ele trabalhou na Companhia Melhoramentos até 1963 e veio para Monte
Verde trabalhar com o Sr. Verner, assim como todos.
Tiveram que abandonar a comunidade e procurar outro canto para começar
tudo outra vez, depois que a Cia fechou o local.
“Eles derrubaram tudo até a igreja que eu ajudei a construir no
Ponciano”, fala bravo o Sr. Sebastião.
Segundo o Sr. Sebastião, em 1950 a Cia já estava naquela região.
“A gente tinha que trabalhar para eles fazendo cultivo de muda. Eu perdi
três anos da minha vida trabalhando para eles.
Briguei muito naquela época pelos meus direitos e até mostrei a minha
espingarda”, relembra com gargalhada o seu Sebastião.
Em 1963, quando chegou a Monte Verde, conta que foi abordado pelo Sr.
Verner na rua e perguntou se ele não estava trabalhando.
Respondeu que não e logo, o Sr. Verner lhe ofereceu um emprego.
“Hoje eu não posso ir porque não trouxe a marmita”. Sr. Verner, porém,
logo disse que ia mandar preparar o seu almoço.
“Eles vieram com um prato de arroz, feijão, macarrão e bastante carne”,
conta ele sorrindo e dizendo que foi bem tratado pelo Sr. Verner.
A partir daí começa uma nova vida e uma nova etapa de trabalho, ele é
mais um que ajudou como tantos outros, a construir o que é hoje Monte
Verde.
As histórias do misterioso Negão da Serra

Dormia em cima de árvore, com medo
de animais selvagens |
Quem viveu naquela serra misteriosamente foi o Negão da Serra, ou seja,
um homem alto, forte, destemido e corajoso, que mais tarde se descobriu
que seu nome era José Benedito, paulista da região de Amparo.
A história do Negão pelas serras do Ponciano não se sabe quando começou
e nem por quê.
Tudo, que se sabe sobre o Negão da Serra, foi colhido através de
depoimentos de pessoas como o senhor Sebastião Nunes, seu Benedito
Carlos, Tio Nassif e o seu Mateus dono de um barzinho.
É neste boteco que a turma de violeiros se encontram para cantar suas
modinhas e relembrar o passado.
Outro lugar que eles se reúnem é a garagem do seu Zé do Gás.
Toda santa sexta feira estão lá os violeiros e sanfoneiros para mais uma
seresta.
O misterioso Negão da Serra vivia num rancho feito por ele mesmo na
serra.
Tinha os pés calejados de tanto andar descalço, as mãos ressecadas da
lida, rosto e pele marcada pelo sol forte das montanhas.
Ele sobrevivia do leite das vacas do vizinho, do farelo de trigo dos
cochos, tirava o leite das cabritas, que subiam a serra e tirava o
proveito de tudo que estava a sua volta. Porém, mesmo fazendo na calada
da noite, escondido de todos em horários duvidosos, o Negão da Serra
pagava por tudo que consumia.
Ao acordar, o vizinho tinha a surpresa de ver todo o seu terreno carpido
pelo Negão, ele fazia questão de trocar o seu alimento pelo trabalho,
enquanto todos dormiam.
A rotina do Negão da serra era diferente de toda sua vizinhança.
Ele dormia durante o dia enquanto havia sol e o tempo estava quente.
Durante a noite o Negão andava para aquecer do frio abaixo de zero, que
fazia na serra onde vivia.
Era durante a noite que providenciava o seu alimento e trabalhava
carpindo os terrenos vizinhos, tirando leite de vacas, dividindo o
farelo do cocho com os animais e etc.
A sua cama era quase sempre em cima de uma árvore para escapar das
onças.
-“E olha que até onça pintada o Negão da Serra presenciou por lá”.
Ele não falava com ninguém nos seus encontros casuais com trabalhadores
que subiam a serra.
Também não mexia com as moças, que por ventura saíam em busca de lenha
para acender o fogão.
Alguns dizem que o Negão da Serra morreu com 52 anos, outros com 84.
Só se sabe que seus pés ficaram calejados e feridos de tanto bicho de
pé.
Um derrame o atacou, a língua enrolou e o contato com a civilização por
estar numa cama de hospital fez com que o Negão se entregasse a morte.
Dizem que ele era perseguido pela polícia por isso vivia isolado e tinha
medo de falar com as pessoas.
Poucos tiveram contato com o Negão, mas nada melhor do que ouvir as
histórias contadas por eles. Veja a seguir as histórias sobre o Negão da
Serra, contadas por quem conviveu com ele:
Histórias de quem
conheceu o Negão da Serra
A parte mais interessante da história, que conta o Sr. Sebastião Nunes,
foi a convivência que teve com o Negão da Serra, quando morava no
Ponciano, próximo ao acesso do rancho do Negão.
“Eu tinha uma vaca com bezerro, que pastava próximo ao rancho dele.
Sempre passava por lá.
Fui eu quem tirou ele do mato quando se machucou.
Eu sempre subia a serra para pegar a vaca com o bezerro e levava os meus
cachorros.
Um dia, os meus cachorros acuaram o Negão e eu cheguei e ralhei com os
cachorros e ele tentou fugir com medo de mim.
Eu falei que não carece ter medo de mim. Ele tinha a língua travada para
falar.
Eu pedi para ele ficar quietinho e fui buscar um remédio para ele.
Eu disse para ele: não saia daí senão os cachorros pegam você, viu!
Trouxe duas cibalena e uma garrafa de café. Ele tomou as duas e bebeu
toda garrafa de café.
Ai, pedi para o inspetor de quarteirão avisar alguém para tirar o Negão
dali e levar para o hospital que ele estava muito doente.
Quando chegou o socorro, o Negão já estava soltando a fala, ele era
divertido e gostava de fumar cachimbo que nem eu.
Fui visitar o Negão da delegacia e no hospital e ninguém conseguiu me
impedir de entrar.
Conta que, quando não deixaram, ou seja, tentaram não deixá-lo entrar na
delegacia para ver o Negão.
‘Ninguém manda em mim, eu disse: vou entrar”,
Depois de estar melhor, o Negão ainda voltou para a serra e morreu com
84 anos,”
O Sr. Benedito Carlos, 77, também conheceu o Negão da Serra de perto e
conversou com ele algumas vezes.
“Ele era meu xará, se chamava Benedito, tinha os pés calejados de tanto
andar pela serra.
Ele era um negão alto e forte, mas não era feio de assustar não! Eu
perguntava para ele o que fazia com as onças lá na serra.
Ele me respondeu: “durmo em cima da árvore e ela fica me rodeando a
noite inteira, tem até onça pintada por lá.”
Um dia ele me disse que a polícia o perseguia achando que ele havia
matado os filhos.
Pelo que eu sei ele era pobre e encontraram os filhos mortos, talvez de
fome e daí passaram a perseguir o Negão,” lembra Sr. Benedito.
José Fernandes, 63, o Tio Nassif como é conhecido, é um violeiro dos
bons. Ele e o senhor Matheus, dono de um barzinho, onde é o local de
encontro dos violeiros de Monte Verde, sabem tudo sobre o Negão da
Serra.
Eles cantam a música do Negão e do Alemão que rodou na cachoeira.
O Tio Nassif conta que tinha mais ou menos sete anos, quando foi morar
em Ponciano, e desde de criança ouvia falar sobre o homem misterioso que
vivia na serra.
“Quando tinha lua e achava uma enxada, o Negão carpia o terreno seja de
quem fosse. Certa vez, sumiu uma porca e meu pai disse que havia
escutado barulho de porco no rancho do Negão.
Chegando lá na serra, acharam não só a porca, mas também mais dez
leitõezinhos. Se ele fosse pessoa do mal teria matado para comer.
Às vezes, sumia uma cabrita, era o Negão, que levava para o rancho para
tirar o leite e depois devolvia.
Ele ajudava a criar o seu porco, mas ficava apenas com 10% dele, além de
carpir o seu terreno como forma de agradecimento”, conta Tio Nassif.
Negão da Serra mexeu com a imaginação popular e inspirou violeiros, que
compuseram música, que fala de sua vida na montanha.
Negão da Serra
Letra de Ananias Gomes de Moraes e Tio Nassif
Lá no bairro onde eu morava
Vou contar o que aconteceu
O Negão apareceu há muito tempo passado
Morava naquela serra
E ninguém o conheceu
Mas um dia, pra roubar daquela montanha, ele desceu
Quando foi um dia cedo o pretão apareceu
Foi encontrado no meio da capoeira lá estava deitado
Não podia mais andar com as pernas encarangadas
Não soltava mais a fala, a língua estava travada
O preto estava doente com a perna enfraquecida
Ele se viu obrigado a entregar a sua vida
Sua perna estava inchada
Chegou a virar ferida
E pedia salvação a Senhora Aparecida
Quando eu soube da notícia cortou o meu coração
Avisamos lá no bairro ao inspetor de quarteirão
Avisamos a companhia que era dona deste chão
Para levar o preto velho
Eles mandaram um caminhão
Essa história aconteceu lá no bairro onde eu morava
Pegaram o pobre preto e no hospital eles trataram
Com remédio mais nada adiantava
Preto velho não sabia que a morte ali estava
Coitado daquele preto
Ninguém sabe o que passou
Já fazia trinta anos que na mata ele morou
Mas o povo deste bairro o pretão respeitou
E despediu daquela serra quando a morte lhe chamou. |
Muitas lendas ainda os antigos moradores contam sobre o Negão da Serra;
nenhuma, no entanto, foi comprovada.
Da que mais ainda falam, é a que diz que em noites de inverno, de lua
cheia, se vê na montanha alguma árvore balançando, embora não haja
vento.
Até cães costumam latir, olhando para a árvore, com pelos eriçados. Nela
não se vê nenhum animal ou gente. É o espírito do Negão da Serra que
aqui continua a vagar.
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