História da fundação dos bairros do Bixiga e do Bexiga

Egydio Coelho da Silva

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NOVO BAIRRO DO BIXIGA

 

No loteamento de parte da Chácara do Bexiga, o Bixiga começa a surgir em primeiro de outubro

de 1878.

Foi inaugurado solenemente, com a presença do Imperador Dom Pedro II, que visitava a cidade de São Paulo, pela terceira vez.

 Dom Pedro II lançou a pedra fundamental de um hospital, no Bixiga, que seria construído na quadra, formada pelas ruas Santo Antônio, da Misericórdia (Abolição), São Domingos e Conselheiro. Ramalho. A pedra fundamental, "foi ela conduzida em padiola até o lugar, onde tinha que ser lançada por Dom Pedro II".

Bexiga ou Bixiga

Quando se fala do Bexiga (com "e", como é a grafia registrada em dicionários ou Bixiga, com "i" (como já vem sendo aceita até por gramáticos), pensa-se que é um bairro antigo.

Pois, o Bexiga era próximo ao centro, no máximo a dois quilômetros do Pátio do Colégio, onde foi fundada a cidade de São Paulo.
Na verdade, a confusão surge porque existem três fatos históricos e geográficos, que precisam ser analisados:
1) O antigo Bairro do Bexiga:

2) A Chácara do Bexiga.

3) Novo Bairro do Bixiga.

ANTIGO BAIRRO DO BEXIGA

Assim chamado a partir do início do século 19.

Compunha-se do Largo do Bexiga, o qual, após 1865, passou a chamar-se Largo Riachuelo (hoje é a Praça da Bandeira) e do Largo do Piques, hoje Largo da Memória.

CHÁCARA DO BEXIGA

Era mata cerrada não só em 1559, quando ainda Sesmaria (30) do Capão, registrada em seu próprio nome por Antônio Pinto, tabelião de Santos, mas também em 1794, quando foi vendida pelo Capitão Melchior já com o nome de Chácara do Bexiga.

(30) Sesmaria: Terreno abandonado ou sem cultivo, que os reis de Portugal cediam aos novos povoadores no Brasil.


Até quase no final do Século XIX, a Chácara do Bexiga ainda era mata e quase impenetrável.
Como nossa pesquisa se atém na busca da comunidade, núcleo populacional, que deu origem ao bairro, não há de nossa parte preocupação maior com a "descoberta" e grilagem da região, mas sim com a população, que criou o novo bairro do Bixiga.
Temos recebido crítica dos que acham que o início do bairro deveria ser em 1559, quando o tabelião de Santos, Antônio Pinto, registrou a sesmaria em seu nome.
Ele teria descoberto a região, a qual provavelmente sequer visitou ou em 1794, quando recebeu o nome de Chácara do Bexiga.
Porém, em nenhuma dessas datas houve estabelecimento de núcleo populacional na região.
Daí serem datas importantes históricas, mas não registram nascimento de nenhum bairro.

Também nos têm criticado pessoas, que entendem que os primeiros habitantes da Chácara do Bexiga foram os negros. Portanto, teriam sim participado da fundação do bairro.

De fato, os historiadores são unânimes em afirmar que o local era preferido pelos escravos fugidos.

Nisto eles têm razão.
Com certeza seus primeiros moradores foram os negros, que nela se refugiavam.
Eles se escondiam nas matas, nas capoeiras, desde o Saracura (Praça 14 Bis) até a região do morro, o Caaguaçu (31), onde é hoje a Avenida Paulista.

 

(31) Caaguaçu:
 Em linguagem indígena, lugar alto ou animal de cabeça grande.


É evidente, portanto, que na Chácara do Bexiga se instalou algum quilombo, talvez com alguma organização social de fortificação precária e camuflada. Portanto, se conclui que os primeiros habitantes da Chácara do Bexiga só podem ter sido os negros, escravos fugidos.
Mas a comunidade, que se formou no começo da Chácara, em 1878, no loteamento entre as ruas da Abolição e Rui Barbosa, nada teve a ver com o restante da Chácara do Bexiga, que ia até onde é hoje a Rua Estados Unidos.
A Chácara continuava mata fechada, provavelmente servia de esconderijo a escravos aquilombados, que se libertaram somente dez anos mais tarde, em 1888.

A Chácara do Bexiga começou a desaparecer, quando o fundador do bairro implantou o loteamento do terreno.
Mais tarde, em primeiro de outubro de 1878, teve a pedra fundamental do hospital, lançada por D. Pedro II, quando, praticamente, se deu a fundação do bairro.
Os negros só se libertaram dez anos mais tarde, portanto, não teriam como participar da sua fundação, mesmo porque a aglomeração de escravos fugidos se dava próximo ao Caaguaçu, Morro da Paulista, e não no início da Chácara do Bexiga.,
"Pouco antes de seu loteamento, a área onde se formaria o bairro do Bixiga, apresentava-se bastante selvagem.
Ainda em 1870, nessa área, “caçavam-se perdizes, veados e até escravos foragidos" (historiadora Nádia Marzola, citando A. de Freitas).
Antes do loteamento, portanto, não existia nada na Chácara do Bexiga, que indicasse uma comunidade organizada socialmente.

NOVO BAIRRO DO BIXIGA|

O loteamento na parte inicial da Chácara do Bexiga fez nascer um novo bairro.

Na área, onde ia nascer o Bixiga, os lotes de terreno, conforme planta (32) eram pequenos,  baratos e localizavam-se próximo ao centro.
 

(32) Planta do loteamento - 1.890
 

Planta do terreno: 1890:
Rua da Misericórdia (hoje Rua Abolição).
Rua Valinhos (hoje Rua Major Diogo) terminava na Rua São Domingos.

 O quadrilátero, formado pelas ruas Abolição, Conselheiro Ramalho, São Domingos e Santo Antônio, foi doado para construção do hospital.

Na área, onde ia nascer o Bixiga, os lotes de terreno eram pequenos,  baratos e localizavam-se próximo ao centro.
Por isso as pessoas, que mais se interessaram, foram os italianos, gente pobre e recém-chegada ao Brasil, a maior parte vinda da Calábria.

 

E as pessoas, que mais se interessaram, foram os italianos. A maior parte deles vinda da Calábria, ao ficarem juntos, num espaço geográfico pequeno, mantiveram boa parte de seus hábitos e costumes.
Aculturaram-se com os paulistanos, com nordestinos e com os negros, que, ao se libertaram em 1888, dez anos após a fundação do bairro, tiveram acentuada participação na formação da comunidade bixiguense.
Tratava-se de um fenômeno urbanístico novo, com a presença de grupo de pessoas com cultura e costumes comuns, que nada tinha a ver com o antigo bairro do Bexiga, onde a maior parte dos moradores era paulistana.

E se localizava em espaço geográfico diferente, como o Largo do Bexiga, onde se achava a Estalagem do Bexiga.

E como o Largo do Piques, onde se encontravam o obelisco e o Chafariz, ambos formavam o antigo bairro do Bexiga e hoje são a Praça da Bandeira.
O novo bairro do Bixiga também não se confunde com a Chácara do Bexiga, que, na sua maior parte, era ainda mata fechada.

 Na falta de documento confiável, sabe-se que o principal marco histórico, que caracteriza o surgimento de uma comunidade, é quando se constrói um bem, que seja de uso comum de todos, como: igreja, hospital, praça pública, etc.
Entendemos que a doação de um terreno por Antônio José Leite Braga à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (32) para construir um hospital, época em que todos se preocupavam com as constantes epidemias, que assolavam São Paulo, caracterizou o seu nascimento.

 

(32) Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo:
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo é uma instituição filantrópica e privada.
Não há registros da data exata de sua fundação, mas estima-se que tenha sido criada por volta de 1560.
Já esteve estabelecida no Largo da Misericórdia, na Chácara dos Ingleses e na Rua da Glória, até preferir construir o seu hospital, em 1884, no bairro de Santa Cecília e não no Bixiga.


A PRIMEIRA FESTA DO BIXIGA

Historicamente, o Bairro do Bixiga, como o conhecemos, já surgiu com entusiasmo e com festa.
Isto aconteceu em primeiro de outubro de 1878.
O loteamento foi inaugurado solenemente, com a presença do Imperador Dom Pedro II, que visitava a cidade de São Paulo, pela terceira vez.
O hospital deveria ser construído, no quadrilátero,  formada pelas ruas Santo Antônio, da Misericórdia (Abolição), São Domingos e Conselheiro Ramalho.
O fundador do Bixiga, Antônio José Leite Braga. se dizia "irmão da Santa Casa de Misericórdia", também seu benfeitor e, de certa forma, uniu seu sentimento religioso a uma visão empresarial.
Evidente que aproveitou a presença do Imperador em São Paulo, que atraiu ao evento autoridades e mais de duas mil pessoas, o que valorizou o seu empreendimento.
Mas, o importante, é que a data do lançamento da pedra fundamental para se construir um hospital, que seria uma grande benfeitoria comunitária, é, sem dúvida, a mais certa, para caracterizar o surgimento do bairro Bixiga.
O ato foi presidido por Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, nono bispo de São Paulo. (93).
Depois da bênção da pedra fundamental, "foi ela conduzida em padiola até o lugar, onde tinha que ser lançada por Dom Pedro II”.
 

(93) Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho,

nono bispo de São Paulo.

Em 1856, foi deputado provincial pelo Partido Conservador.

E ainda presidente da província de Sergipe, deputado geral, ministro-presidente junto ao Uruguai, então província brasileira.
Indicado bispo de São Paulo por Dom Pedro II, a 21 de maio de 1871, aos 44 anos, e foi confirmado pelo Papa Pio IX, em 28 de julho de 1872.
Sagrado bispo em São Paulo no dia nove de março de 1873.

Foi o último bispo de São Paulo, indicado pelo imperador.
Proclamada a República do Brasil em 1889, houve a separação entre a Igreja e o Estado.


Além de Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, bispo de São Paulo, compareceram à inauguração do loteamento, em 1º de outubro de 1878, o senador João Lins Vieira Cansanção (94), visconde de Sinimbu, presidente do Conselho de Ministros,

(94) João Lins Vieira Cansanção, visconde de Sinimbu, foi presidente da províncias da Bahia e do Rio Grande do Sul.Monarquista convicto, foi surpreendido com a proclamação da República em 1889, quando já estava prestes a completar 80 anos.

“Sou monarquista, morrerei monarquista, mas nunca conspirei contra a República. Receio que o Brasil se fragmente em republiquetas, o que será uma desgraça”.

Não viveu para assistir a atuação do seu conterrâneo Floriano Peixoto, que impediu a fragmentação.

Faleceu no dia 21 de dezembro de 1906. Morreu pobre, recusando receber uma pensão do Governo Republicano.
Para sustentar a família, vendia os seus livros, jóias e condecorações.
(95) João Batista Pereira, indicado pelo Partido Liberal, foi presidente de São Paulo por 10 meses, de cinco de fevereiro a sete de dezembro de 1878.

 

e João Batista Pereira, presidente da Província de São Paulo.

(95) João Batista Pereira, indicado pelo Partido Liberal, foi presidente de São Paulo por 10 meses, de cinco de fevereiro a sete de dezembro de 1878.

 

Embora o hospital, que teve sua pedra fundamental lan-çada por Dom Pedro II em 1º de outubro de 1878, jamais viesse a ser construído, o loteamento foi sucesso comer-cial.
Evidente que a decisão do fundador de doar um terreno para se construir hospital e contar, inclusive com o Imperador para inaugurá-lo, ajudou em muito nas vendas dos pequenos lotes.
Surgiu então o bairro do Bixiga, o qual resguardou a cultura italiana, influenciada pela cultura de outras etnias, principalmente a negra, pois os negros, aquilombados na Chácara do Bexiga, libertos dez anos mais tarde, e seus descendentes permaneceram na região principalmente no "chamado baixo Bexiga", junto à hoje Praça 14 Bis.
Aqui, está localizada a sede da Escola de Samba Vai-Vai. É a marca maior, do samba no Bixiga.
O Bixiga, com certeza, é o berço do samba em São Pau-lo.

E é sempre exaltado em diversos sambas enredos e, principalmente, na letra do estribilho da música de Geraldo Filme:

“Quem nunca viu
o samba amanhecer
Vai no Bixiga prá ver
Vai no Bixiga prá ver”.

Graças à interação cultural havida aqui entre paulistanos, nordestinos, italianos e negros, o Bixiga é considerado hoje um ícone dos valores culturais da população paulistana.

Esta foi inclusive a interpretação de Chico Anysio (29),

(29) Chico Anysio, (1931-2012) foi humorista, roteirista, diretor e escritor brasileiro, considerado um dos maiores comediantes do país.
Criou uma infinidade de personagens, o que fez dele um artista diferenciado.

Na TV Rio, personificou pe-la primeira vez na televisão o “Professor Raimundo”.

Na TV Record, fez grande sucesso no programa Blota Júnior.

Em 1969, ingressou na Rede Globo, onde atuou em diversos programas, entre eles, “Chi-co Anysio Show”, “Chico City”, “Chico Total”.
Nesses programas, imortalizou diversos personagens, inclusive "O Bexiga".
Casado seis vezes, teve oito filhos, sendo um adotado.

Um de seus casamentos foi com Zélia Cardoso de Mello, ministra da fazenda do ex-presidente Fernando Collor.
Chico Anysio faleceu no Rio de Janeiro, no dia 23 de março de 2012, vítima de infecção pulmonar.


ao criar o seu personagem, "O Bexiga" (30), para homenagear São Paulo.

(30) "O Bexiga", personagem de Chico Anysio: Enrico Bettega, ex-sapateiro, nascido nos arredores de Nápoles. Mudou-se para o Brasil na década de 1930, instalando-se no bairro do Bixiga, em São Paulo. Voz e visual foram  inspirados no

compositor Adoniran Barbosa.

Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga, brincava, dizendo que o Bixiga ia roubar o Adoniran do Brás, porque ele morava no Brás e não no Bixiga.
Embora morasse no Brás, em razão de ser artista, contratado da empresa cinematográfica Vera Cruz, estabelecida na Rua Major Diogo, tinha mais participação comunitária no Bixiga do que no Brás.
Chico Anízio, ao criar o personagem Bexiga, também colaborou para fixá-lo como bixiguense.
Também devemos lembrar que o ex-deputado Ayrton Soares (expulso do PT por contrariar Lula e votar em Tancredo Neves) tinha escritório na então Travessa Brigadeiro Luiz Antônio.
Ayrton decidiu mudar o nome da Travessa para Rua Adoniran Barbosa.

Para tanto, conseguiu concordância por escrito de todos os moradores da rua, conforme exigência legal.
E assim a Rua Adoniran Barbosa fica no Bixiga e não no Brás.
Armandinho não estava certo quando disse que o Bixiga "ia roubar Adoniran do Brás".
Devemos entender que o bairro de cada um é aquele, onde se tem mais participação comunitária, e não onde mora e apenas dorme.
O próprio Armandinho do Bixiga, muitos anos antes de falecer, não morava mais no Bixiga, mas tinha intensa atividade no bairro.

 

Armando Puglisi (33) fundador do Museu Memória do Bixiga, foi presidente da Vai-Vai, o que se constituiu em exceção: único branco a presidir a escola de samba em toda a sua história.

(33) Armandinho do Bixiga:
Em seu depoimento ao jornalista Júlio Moreno (publicado no livro, "Memórias de Armandinho do Bixiga", Editora Senac-SP, em 1996) pouco tempo antes de falecer, quando já estava desenganado por médicos, ele reclama de que havia preconceito na Vai-Vai contra brancos.
Criou o Bloco dos Esfarrapados, que desfilava pelas ruas do Bixiga e, desde o início, foi sucesso, com muita participação popular.

Fundou, na Rua dos Ingleses, rua em que nasceu, o Museu Memória do Bixiga.

Inventou o famoso bolo gigante de aniversário de São Paulo, que era oferecido ao povo no dia 25 de janeiro, data da fundação de São Paulo. O bolo era "devorado" pelos populares mais gulosos em questão de segundos.
Quando se lhe sugeriam que organizasse, respondia tranquilamente:
"O Bixiga é assim mesmo, se organizar, estraga".
Foi homenageado por lei municipal, de iniciativa do vereador João Brasil Vita, com seu nome ao viaduto na Rua 13 de Maio, que passa por cima da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio.


Bexiga ou Bixiga

Armandinho do Bixiga defendia ardorosamente a grafia do nome do bairro com “i”, alegando, com insistência, que era assim que o pronunciavam os italianos em São Paulo.
Não se pode afastar, porém, a hipótese de que o motivo seria o sentido pejorativo da palavra bexiga, que deu origem ao nome do bairro.
Segundo alguns historiadores, aqui se refugiavam portadores de varíola, popularmente conhecida como "bexiga".
Talvez com o desejo de afastar esse sentido, os moradores do bairro, procurariam um jeito de evitar, de forma até inconsciente, o aspecto pejorativo, mudando a grafia para Bixiga.
A não aceitação do nome Bexiga pelos moradores ficou evidente, quando se criou uma linha de bonde, que ligava o novo bairro, Bixiga, ao antigo bairro, o Bexiga, cujo ponto inicial era na atual Praça da Bandeira.
Os moradores, embora muito educados (era o único bonde em São Paulo, que tinha fila ordeira no ponto inicial), mostraram-se, no entanto, agressivos quando o bonde trouxe no letreiro de destino: Bexiga.
Houve quebra-quebra e o letreiro foi mudado para “Bela Vista”.
A grafia com “i”, porém, já tem até gramáticos - se não como defensores - pelo menos, que a justificam, entre eles o professor Emir Nogueira (96), como se vê no seu artigo, publicado no jornal Folha de S.Paulo.
Nesse artigo, o professor Emir M. Nogueira explica: “o que acontece é que, na pronúncia normal do Brasil, há forte tendência para pronunciar como 'i', o 'e' átono, isto é, não acentuado, pronunciado com pouca força e o uso acaba consagrando variantes em 'i', que é inútil combater”.
E complementa:
“É o mesmo uso que, em São Paulo, está dando foros de legitimidade à palavra Bixiga, para designar um dos mais tradicionais bairros paulistanos.
Observe-se que, aí, a variante popular em 'i' tem um sentido específico (indica o bairro); em sentido geral, bexiga é ainda a forma correta, apesar de se pronunciar 'bi' " o 'e' átono, isto é, não acentuado, pronunciado com pouca força e o uso acaba consagrando variantes em 'i', que é inútil combater”.
E complementa:
“É o mesmo uso que, em São Paulo, está dando foros de legitimidade à palavra Bixiga, para designar um dos mais tradicionais bairros paulistanos.
Observe-se que, aí, a variante popular em 'i' tem um sen-tido específico (indica o bairro); em sentido geral, bexiga é ainda a forma correta, apesar de se pronunciar 'bi' ".
.

(96) Artigo na íntegra do professor Emir M. Nogueira

"A língua nossa de cada dia

Emil Nogueira
Considerado um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos, “Pixote” tem mais uma particularidade: consagra uma palavra “que não existe”.
De fato, se você consultar o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – a nossa ortografia oficial – lá não encontrará o verbete pixote.
Ele não aparece também na maioria dos dicionários modernos.
O Aurélio o registra sumariamente como s.m. (substantivo masculino), remetendo o consulente para o verbete pexote, onde se
encontram as definições: aquele que joga mal, novato, principalmente, inexperiente. O mesmo Aurélio dá pexote como derivado da expressão chinesa “pexote”, não sei, usada em Macau.
Assim, portanto, a forma “oficial” é com e, pexote; seu derivado é pexotada.
Assim, portanto, a forma “oficial” é com e, pexote; seu derivado é pexotada.
Acontece, porém, que nunca se ouviu brasileiro algum pronunciar dessa maneira.
Todos dizem pixote, pixotada.
Um gol sofrido por inabilidade ou incompetência é produto de uma autêntica pixotada.
O irrealismo ou o conservadorismo dos dicionários foi, aí, derrotado pelo uso.
O que acontece é que, na pronúncia normal do Brasil, há forte tendência para pronunciar como o “i” o “e” átono, isto é, não acentuado, pronunciado com pouca força.
Alguns dão a esse fenômeno o nome de lização e dizem que a pronúncia brasileira é lizada. Com o e átono final essa lização é por assim dizer absoluta: ele, este, parede são pronunciados como se fosse “i” seu som final.
Nas sílabas iniciais e intermediárias a mesma tendência se observa, embora com menor intensidade: mininu, istudanti (menino, estudante) é como se pronuncia.
Na maioria dos casos, o falante culto tem consciência de que, não obstante a pronúncia, é com “e” que devem ser escritas palavras como as recordadas acima.
Mas, às vezes, o uso acaba consagrando variantes em “i”, que é inútil combater.
Mas, às vezes, o uso acaba consagrando variantes em“i”, que é inútil combater.
Pode acontecer de as duas formas (a “certa” e a popular) coexistirem durante algum tempo até que uma se imponha à outra.
Vamos aos exemplos.
Em pixote/pexote, não há como negar que a primeira predomina nitidamente sobre a última, se é que esta alguma vez foi usada no Brasil: pixote, pois há que ser considerada como forma correta, consagrada pelo uso.
É o mesmo uso que, em São Paulo, está dando foros de legitimidade à palavra Bixiga, para designar um dos mais tradicionais bairros paulistanos.
Observe-se que, aí, a variante popular em “i” tem um sentido específico (indica o bairro); em sentido geral, bexiga é ainda a forma correta, apesar de se pronunciar “bi”.
.Mas, às vezes, o uso acaba consagrando variantes em“i”, que é inútil combater.
Também a tradicional brincadeira dos estudantes de direito paulistanos, para comemorar o 11 de agosto, já merece ser normalmente grafada como pindura.
O verbo, como se sabe, é pendurar e daí derivados como pendura, dependurar, penduricalho etc.
Mas o uso, pelo menos em São Paulo, parece tornando irreversível a variante pindura (em obediência à tendência de pronunciar como o "i" o "e" átono), para designar o calote dos estudantes no dia em que se recorda a instituição dos cursos jurídicos no Brasil.

 

Origem do nome Bexiga


O nome da localidade, Bexiga, aparece no início da década de 1790.
Consta no Arquivo Aguirra (34) que, em 30 de janeiro de 1793, as autoridades municipais autorizaram o transporte de pedras para o chafariz do Bexiga.
E o nome aparece também, quando a Chácara do Gusmão foi comprada por Antonio Soares Cavalheiro Gomes e Abreu ao capitão Melchior Pereira e foi registrada, em seis de fevereiro de 1794, com o nome de Chácara do Bexiga.
Saint-Hilaire (35) cita que se hospedou em São Paulo em 1819 na estalagem conhecida como “do Bexiga”, que ficava onde é hoje a Praça da Bandeira.

 

"(35) Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire
Francês, botânico, naturalista e viajante, nasido em Orleães aos quatro de outubro de 1779 e fale-cido na sua cidade natal aos três de setembro de 1853.
Em 1816, obteve a aprovação do Museu de História Natural de Paris e financiamento do Ministério do Interior para empreender a viagem ao Brasil.
O naturalista deixou o Brasil em 1822.
As autoridades ministeriais franceses o enviaram para pesquisar, porque o Brasil tinha uma infinidade de plantas úteis, que poderiam interessar à França.


O nome bairro do Bexiga teria tido origem em uma das três hipóteses:
1.º - A denominação teria sido dada pejorativamente por que os portadores de varíola (bexiga) se refugiavam ou eram isolados na Chácara do Bexiga;

2. º - O nome seria oriundo da existência de um matadouro, que havia na Rua Santo Amaro e vendia e/ou dava bexiga de boi e/ou de porco a interessados;
3.º - O sobrenome de Antonio Bexiga (36), proprietário
da estalagem do Bexiga, ter-se-ia transferido para o nome da localidade.

 

A primeira hipótese

 A origem do nome do bairro seria pejorativa, pelo fato de que – segundo alguns historiadores – doentes de varíola, “bexiga”, se refugiavam ou eram isolados na Chácara do Bexiga.
São Paulo teve muitos surtos de varíola, principalmente durante o século XVIII.
Vem daí a hipótese de que a região, no início da Chácara do Bexiga, serviu de refugio aos bexigosos.
Acontece, porém, que existem mais referências a outras regiões de São Paulo sobre a presença de bexigosos do que ao próprio antigo bairro do Bexiga.
Sabe-se que a região da Tabatinguera, quando ainda era periferia de São Paulo, teve uma casa para abrigar os portadores de varíola e um imóvel. na hoje Rua de São Bento, era também utilizado para isso.

Inclusive, em 1724, um edital se referia à Rua de São Bento como "Rua das Bexigas".
Por volta de 1837, na verdade, a região propícia para isolar os doentes era o Pacaembu.
O historiador Nuto Santana, que foi chefe da subdivisão de Documentação Histórica do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, levantou a hipótese em seu livro, "São Paulo Histórico", de que o nome do bairro, Bexiga, provavelmente teria origem na pre-sença de bexigosos.
Ou, talvez, porque Antônio Bexiga, proprietário de uma estalagem no bairro, teria sido vítima de varíola. A hipó-tese de Nuto Santana, porém, nunca foi confirmada.

Segunda hipótese

O nome seria oriundo de um matadouro, que existia na Rua Santo Amaro.

Para o historiador Antonio Egidio Martins (81), em 1773, foi feito de taipa de pilão "com toda a segurança" o matadouro "na Rua de Santo Amaro, nas imediações da Capela de Santa Cruz e Rua Jacareí..."

(81) Antonio Egidio Martins dedicou 30 anos de vida em pesquisa sobre a história de São Paulo.
Começou a organizar a documentação em 1892.
Seu livro, escrito à mão,"São Paulo Antigo, 1554-1910", está esgotado desde os anos 1970.
Traz histórias privadas, pormenores curiosos e acontecimentos políticos, tudo a partir da documentação do Arquivo do Estado


Ali se vendiam ou davam bexigas de boi e de porco.

.O nome do bairro seria oriundo de um matadouro, que vendia bexiga de boi.
O historiador Nuto Santana entende que essa é uma hi-pótese, que deve ser considerada, pois, o negócio de tri-pas foi bem explorado em São Paulo, existindo para sua venda, inclusive, umas carrocinhas, que percorriam as ruas “aos gritos de piegas anciãs, enquanto o tropeiro, no alto da boleia, soprava numa trombeta de chifre, com toda força dos bofes, umas notas em sustenido".
Na verdade, há controvérsia entre os historiadores sobre a origem do nome do bairro, pois nenhum documento se encontrou, que esclarecesse o assunto.

Terceira hipótese

O nome bairro provavelmente teve origem no sobrenome de Antonio Bexiga, proprietário de uma estalagem no Bexiga.
Não ficou provada a hipótese de que este apelido se devia ao fato de ter ele contraído varíola, mesmo porque Bexiga era seu nome de família.
Acho que a interpretação de João Luiz Promessa e de João Batista Aguirra é a hipótese mais lógica: o nome do bairro se deve a Antônio Bexiga (36), proprietário da Estalagem (ou a algum de seus ancestrais com o mesmo sobrenome), que se localizava no centro do bairro, mais tarde denominado Largo do Bexiga.
O entendimento de que o nome da Chácara do Bexiga se teria transferido para o bairro não procede.
Mesmo porque, em 1793, apareceu o primeiro documento, que registrou o nome do antigo bairro do Bexiga.
E a Chácara do Bexiga teve este nome a partir de 1794.
 

(36) Antônio Bexiga:
Na verdade o nome de família, Bexiga, é antigo, conforme consta em diversos sites sobre genealogia de portugueses.
Encontrei, inclusive, a informação de que Maria Garcia Bexiga, nascida em 10 de abril de 1652 e falecida em 16 de Junho 1728, teria sido a primeira com o sobrenome Bexiga, que viveu na Zibreira em Portugal. Portanto, o estalajadeiro, Antônio Bexiga, muito provavelmente tinha esse nome de família e descendia da primeira pessoa com o sobrenome Bexiga.


O primeiro documento encontrado, que se refere ao nome de Bexiga, é um ofício, datado de 30 de janeiro de 1.793, que determina que proprietários de carros deveriam levar “250 carradas de pedra da região, denominada Bexiga, ao Chafariz da Misericórdia”, que estava sendo construído.

CHÁCARA DO BEXIGA

A Chácara do Bexiga (5), que teve vários nomes, se iniciava às margens do Ribeirão Anhangabaú (hoje Praça da Bandeira) e terminava na altura da atual Rua Estados Unidos.

(5) Chácara do Bexiga:

Por volta de 1.559, todas as terras, nas quais iriam se formar parte do Bexiga antigo e o novo bairro do Bixiga, estavam incluídas na sesmaria do "Capão". 
Pertenciam a Antonio Pinto, tabelião em Santos.

Posteriormente, a área fez parte da sesmaria, doada a Fernão Dias Pais Leme, tio-avô de Fernão Dias Pais, que a deu como dote, à sua filha Maria Leme, quando esta se casou com Manuel João Branco.

Em 1789, segundo documentos encontrados por Nuto Santana, a chácara do Gusmão foi vendida a Francisco Martins do Monte, que a transferiu em seguida, em 18/08/1789 ao Capitão Melchior Pereira.
Numa escritura de seis de fevereiro de 1794, consta que esse mesmo Capitão Melchior Pereira vendeu a Antonio Soares Cavalheiro Gomes e Abreu "uma chácara nesta cidade, na paragem do Anhangabaú, denominada vulgarmente de Chácara do Bexiga, cercada em roda de valos, contendo morada de casas de taipa de sua vivenda, por 2:45$000.”


A chácara tinha 6.600 metros de comprimento.

À esquerda, sua divisa era o Caminho de Santo Amaro (hoje Avenida Brigadeiro Luiz Antônio) e à direita, sua divisa era o Riacho Saracura (hoje Avenida Nove de Julho).

Na área, existiam apenas campos, vales e colinas.

Em sua maior parte era mata fechada, "onde não morava ninguém e onde se escondiam escravos fugidos e pessoas portadoras da varíola (bexiga)”.  

Ernani Silva Bruno confirma essa versão e diz:

"É coisa menos sabida, contudo, que, nas mesmas terras entre as ruas da Consolação e a de Santo Amaro,

caçavam-se veados, perdizes e `até escravos fugidos´.

A chácara do Bexiga, em meados do século XIX, era um lugar muito mais selvagem do que se poderia depreender de um primeiro contato com a história de São Paulo”.

 

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